Page 20 - Política Democrática
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18 CASO MARIELLE EXPÕE PODER DE MILÍCIAS NO RJ - CLEOMAR ALMEIDA REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA
entre aqueles que tentam atuar pela
elucidação dos crimes e os que buscam ‘Milícia é o Estado‘, diz professor
travar a apuração, atendendo aos inte-
resses de milícias, dentro das próprias
instituições de Estado. Em novembro
do ano passado, o então ministro da
Segurança Pública, Raul Jungmann,
anunciou que a Polícia Federal iria
“investigar as investigações”. A medida
teria sido uma reação às denúncias de
que um grupo organizado, com a par-
ticipação de agentes do Estado, estava
atrapalhando a apuração.
Nos bastidores, volta a ganhar fôle-
go a proposta de incidente de desloca-
mento de competência (IDC), que, nos
primeiros dias após o fato, chegou a
ser defendida pela procuradora-geral
da República, Raquel Dodge, e visa à José Cláudio Souza Alves: “Com certeza Marielle foi vítima de milícias. Ela representou ameaças.”
federalização das investigações. Pro-
curado pela reportagem, o Ministério Autor do livro Dos Barões ao Extermínio: uma estrutura mais bem definida, com
da Justiça e Segurança Pública não se uma história da violência na Baixada Flu- participação de policiais militares e civis,
pronunciou. A Polícia Federal informou minense, o sociólogo José Cláudio Souza guardas municipais e bombeiros, assim
que não se manifesta sobre investiga- Alves estuda, desde os anos 1960, a atua- como de parte do segmento da socie-
ções em andamento. A Polícia Civil rei- ção de grupos de extermínio formados por dade em geral, como comerciantes.
terou que a apuração do caso Marielle agentes da segurança pública, observando – O grupo de extermínio se limitava
corre sob sigilo. A PM disse que colabo- como eles se sofisticaram e reestruturam- a cobrar taxas de segurança e matar
ra com as investigações. A reportagem se em forma de milícias, a partir dos anos pessoas por encomenda, por quem
não localizou o contato dos advogados 2000. Sociólogo e professor da Universida- financiasse – geralmente comerciantes
dos policiais citados. de Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), para proteger seus negócios. Já a milícia
Flávio Bolsonaro também não se ele analisa como os criminosos e o próprio abre um leque de negócios muito mais
pronunciou. Em 2006 e 2007, ele Estado se confundem. amplos, envolve venda de terrenos,
afirmou na Alerj que “a milícia nada – A milícia é o Estado. Com certe- imóveis, gás, água, operação de trans-
mais é do que um conjunto de poli- za Marielle foi vítima de milícias. Ela porte clandestino de pessoas, cigarro,
ciais buscando expurgar do seio da representou ameaça econômica e cesta de alimento. A milícia só não ven-
comunidade o que há de pior: os cri- política para os negócios desses gru- de o ar porque ainda não aprendeu a
minosos”. No mês passado, porém, pos, era contra a estrutura de atuação comercializar o oxigênio para a popula-
disse ser contra as milícias e que não da polícia nas áreas mais pobres, nas ção, critica o sociólogo.
sabia das suspeitas contra os policiais favelas. Ela olhava nos olhos, enfren- O pesquisador e professor da UFR-
homenageados por ele. O presidente tava, resistia, ia para cima das pessoas. RJ destaca, ainda, que a estrutura do
Jair Bolsonaro também saiu em defe- Membros de milícia não perdoam pes- tráfico, dos grupos de extermínio e das
sa do filho, no final do mês passado, soas com essas características, ainda milícias só existe e ganha força econô-
em entrevista ao jornal americano mais se for mulher, afirma o autor. mica, política e social porque é operada
The Washignton Post. “A pessoa que De acordo com José Cláudio, as milí- de dentro do próprio Estado. Portan-
concedeu condecoração não pode cias têm relação direta com grupos de to, analisa, não é um poder paralelo.
ser culpada”. extermínio que surgiram na Baixada Em suas pesquisas, ele constatou, por
– O sigilo das investigações não Fluminense, no final dos anos 1960, e exemplo, que qualquer funcionamen-
pode ser confundido com o silêncio que se aperfeiçoaram, nos anos 1980 to do tráfico de drogas precisa passar
das autoridades, que têm o dever de e 1990, para, segundo ele, elegerem pelas mãos dos agentes de segurança
prestar contas à sociedade. Isto não vereadores, deputados estaduais e pre- que vão cobrar suborno para permitir
significa violar o sigilo das investiga- feitos no Rio de Janeiro. Nos anos 2000, que os negócios funcionem e se perpe-
ções, afirma a coordenadora da Anis- ressalta o pesquisador, elas alcançaram tuem como muito lucrativos.
tia Internacional Brasil, Renata Néder.