Page 27 - Revista Política Democrática nº 49 - Novembro/2022
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BABALAWÔ IVANIR DOS SANTOS - ENTREVISTA ESPECIAL
                     “                                        rente de uma grande parcela de homens



                                                              e  mulheres  brancos,  que  discutem  esta-
                                                              do, políticas públicas, a partir não de uma
                     Lá atrás, em 2008,
                                                              experiência empírica que eles têm. E, no
                                                              tar essa capacidade. Nem todo acadêmico
                     encontramos com                          nosso caso, sim. Então, é preciso aprovei-
                                                              é intelectual. Às vezes, é mero reprodutor
                                                              de teorias e metodologias. Devemos to-
                     o então presidente                       mar muito cuidado ao trazer essas contri-
                                                              buições de formulações para dentro dos
                                                              processos, para que não permaneçam os
                     Lula logo depois da                      mesmos. Observamos que a estrutura não
                                                              muda. Como é que você entende que, ain-
                     primeira caminhada                       da nos dias de hoje, em governos progres-
                                                              sistas, nos quais muitos de nós votamos e
                                                              com os quais concordamos, a polícia con-
                     pela liberdade                           tinua, de forma lombrosiana, matando jo-
                                                              vens negros, encarcerando jovens negros?
                                                              O governo é progressista, mas a prática da
                     religiosa, aqui no Rio                   máquina operacional do cotidiano ainda
                                                              se reelege por conta disso. Essas mesmas
                     de Janeiro. Foram 20                     práticas continuam nos aparelhos de Esta-
                                                              do, de maneira até eugenista.
                     mil pessoas para a rua,                  questão da história brasileira, seus es-
                                                                PD: Como o senhor interpreta a

                     e entregamos a ele um                    tudos e  a contribuição do  negro,  en-
                                                              quanto intelectual acadêmico?

                     documento para que                       que, como digo, não fui para a academia
                                                                BIS: Não é uma presença fácil, até por-
                                                              para que a academia entrasse em mim,
                     se fizesse um plano                      porque tem muitos negros que vão e ficam
                                                              acadêmicos, muito teóricos. Discutir com
                     nacional de combate à                    a juventude teoria, metodologia e regras
                                                              da ABNT [Associação Brasileira de Normas
                                                              Técnicas] todo mundo sabe, mas a experi-
                     intolerância religiosa.                  ência empírica é quase nenhuma. Fui pela
                                                              ideia de sistematizar a minha experiência.
                     E não foi feito”                         É diferente. Não é à toa que uso bem,
                                                              por exemplo, obras de Antonio Gramsci
                                                              e  Thompson,  que  falam  de  experiência,
                                                              e sempre, como militante de esquerda,
                                                              achei que tinha um vácuo para se compre-
                     parte daqueles que o cercam na compreen-  ender essa noção, como se a classe ope-
                     são política de diversidade. Não entendem   rária fosse um único modelo. E os negros
                     nada de diversidade. Hoje há uma massa   nunca vão ser analisados como classe ope-
                     crítica de negros no Brasil que não havia   rária nesse sentido. O trabalhador, às ve-
                     antes, de formados, inclusive, de militantes   zes, tem religião. Então, quando se amplia
                     ativistas, de intelectuais orgânicos e públi-  uma compreensão de classe operária, dá
                     cos, que construíram essa agenda racial. A   para compreender que se pode analisar as
                     academia vem um pouco depois, porque     nossas experiências a partir desses lugares.
                     não formulou nada para nós. Muito pelo   Então, traz uma nova participação, inclusi-
                     contrário. Fomos para a academia sistema-  ve, da questão negra, e, ao utilizar muito
                     tizar a nossa experiência, totalmente dife-  a história dos que vêm de baixo, estou na




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