Page 24 - Revista Política Democrática nº 49 - Novembro/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - BABALAWÔ IVANIR DOS SANTOS




                     inegavelmente. Não se pode esquecer des-  isso sempre que as religiões de matriz afri-
                     ses movimentos sociais e desses grupos que   cana fi zeram. São grupos minoritários do
                     foram aliados importantes desde o primeiro   ponto de vista da expressão política, mas
                     turno e, obviamente, no segundo. Por isso,   podemos construir uma hegemonia sem
                     espero que assim seja na compreensão da   ser maioria política.
                     montagem do governo, que precisa ter uma
                     expressão de representação simbólica muito   defesa da liberdade religiosa, o senhor está
                                                                PD:  O senhor é Babalawô. Na luta em
                     “                                        otimista neste momento?
                     importante desses grupos.
                                                                BIS:  Fui iniciado no candomblé há 41




                     podemos construir uma                    “


                     hegemonia sem ser                        A intolerância religiosa


                     maioria política”                        está espalhada por
                                                              todo o país, em todos


                       PD: O senhor publicou o livro  Marchar
                     não é caminhar: interfaces políticas e sociais   os lugares, e, nesses
                     das religiões de matriz africana no Rio de Ja-
                     neiro (2019, 360 páginas). Ao longo de sua   últimos quatro anos,
                     vida, como marchar não é caminhar?

                       BIS: Essa é a minha tese de doutorado   fez uma interferência
                     em História Comparada pela Universidade
                     Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É o que   muito forte na
                     implantamos agora na sociedade brasileira.
                     Você tem um setor da sociedade que quer
                     marchar, marchar… Consequentemente,      democracia brasileira”
                     quer destruir o outro, quer impor ao outro,
                     quer, de forma autoritária e fascista, impin-
                     gir ao outro a sua vontade, e caminhar é o
                     contrário. Caminhar é uma frente. Cami-  anos,  na Bahia, em Maragojipe,  onde  fi z
                     nhar é estarmos juntos. Para caminhar, é   todas as minhas obrigações. Tornei-me Ba-
                     preciso sentar, recuar, ter diálogo e convi-  balorixá. E hoje sou um Babalawô, iniciado
                     vência com o outro, aprender com o outro,   na Nigéria há 17 anos. Um sacerdote que
                     trocar com o outro. Por isso, caminhar é   é o pai, que olha o oráculo. Na Nigéria, o
                     um processo. Quando se diz marchar, você   Babalawô não é só um líder espiritual, é
                     está fazendo o jogo do adversário ou do   um líder espiritual e político do seu povo,
                     inimigo. E caminhar, não. Caminhar é esse   é aquele que orienta espiritualmente e po-
                     processo de frente ampla. Tem, às vezes,   liticamente o seu povo. Então, essa é uma
                     confl itos, mas você aprende na caminhada.   questão importante a ser observada, para
                     Na caminhada, não se impõe ao outro a    entender o meu papel, inclusive, nesse ce-
                     sua vontade. Aqui também faço, justamen-  nário. Não é só o lado espiritual, é conju-
                     te, uma comparação entre a Marcha para   gando o lado espiritual com as questões
                     Jesus e a Caminhada em Defesa da Liber-  sociais, políticas, culturais e econômicas no
                     dade Religiosa. O resultado da eleição não   qual esse povo vive. Se tem desemprego,
                     foi diferente. Em suposto nome de Jesus,   o  Babalawô  deve  defender  o  pleno  em-
                     impõe-se o ódio, a misoginia, a homofobia,   prego. Precisa, ainda, lutar pela diversida-
                     o fascismo. No caminhar, há grupos evan-  de, por respeito, contra o racismo. Se há
                     gélicos, cristãos, não cristãos, ateus. E foi   homofobia, deve ser contra a homofobia.



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