Page 26 - Revista Política Democrática nº 49 - Novembro/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - BABALAWÔ IVANIR DOS SANTOS




                     para que se fizesse um plano nacional de   propuserem medidas que não possam ser
                     combate à intolerância religiosa. E não foi   executadas, o país cai em uma situação de
                     feito. Nenhum dos governos seguintes deu   manter o status quo, que, no momento, é
                     atenção a esse tema, e agora vai ter que   extremamente racista, do ponto de vista
                     dar não só para ampliar o diálogo com os   estrutural.
                     evangélicos, como tenho escutado muito.
                     Acho que tem que ampliar o diálogo com     PD: Como o senhor vê essa possibilida-
                     os evangélicos, não sou contra, muito pelo   de de mudança de paradigma e do forta-
                     contrário, sou um homem de diálogo, mas,   lecimento da cultura antirracista em nosso
                     antes  de  tudo,  o  novo  governo  deve  ter   país no novo governo?
                     medidas concretas e efetivas de combate
                     à intolerância religiosa. É preciso garantir a
                     aplicação da Lei 10.639, que torna obriga- “
                     tório o ensino da história e cultura africana
                     e afro-brasileira. Ela foi capturada como se
                     fosse uma lei religiosa, e não é. É uma lei   Quando tenta se
                     de história e cultura. Vai ter que implantar
                     fessores e produção e distribuição de ma- colocar uma única
                     isso, com orçamento, capacitação de pro-
                     terial didático. Também é preciso discutir a
                     cultura indígena, porque a lei foi comple-  forma de religiosidade,
                     mentada depois. O Brasil não pode ter mo-
                     delo civilizatório simplesmente europeu e   cria-se uma divisão
                     achar que isso está correto. Existem outros
                     grupos que estão na constituição desse
                     país, embora em condições totalmente di-  enorme”
                     ferentes. Uns vieram como escravos, outros
                     foram marginalizados, como a comunida-
                     de indígena, que também deve ser levada    BIS: Primeiro temos que observar a re-
                     em conta e faz parte dos valores civilizató-  tórica do próximo presidente da República
                     rios brasileiros. Todos temos noção do que  que nós elegemos. Durante a campanha,
                     é muito importante, mas há uma luta con-  ele falou da questão racista, prometeu res-
                     tra a hegemonia cultural no país. É preciso  taurar as estruturas antirracistas importan-
                     considerar a agenda do movimento negro,  tes. Ele tem noção muito boa, quando fala
                     do movimento LGBTQIA+, das mulheres,  da escravidão, tem compreensão estrutu-
                     das populações indígenas, assim como a  ral, mas há uma distância entre o que ele
                     agenda da diversidade religiosa. Não bas-  fala e o que aqueles que estão em sua volta
                     ta criar conselhos. Isto é importante, mas  executam. Lá atrás ele disse que os negros
                     não é tudo. A questão é saber quais são as  não só seriam ouvidos, mas que os iriam
                     medidas efetivas de combate ao racismo,  participar da construção do seu governo.
                     à homofobia, à misoginia, à intolerância  Isso não aconteceu no primeiro momento
                     religiosa... É importante considerar isso no  da formulação da equipe de transição. Pelo
                     projeto de governo, em todas as esferas. Es-  contrário, foi necessária uma reação de se-
                     tou falando não é só nos puxadinhos. Não  tores da comunidade negra, muito irritados,
                     é apenas reformular a Fundação Palmares,  porque o apoiaram e votaram nele, como
                     por exemplo. Tudo isso é importante, mas  eu e outros. Se não fosse essa pressão, não
                     não dá conta da imensidão de brasileiros e  teria ampliado a participação minoritária,
                     brasileiras desses grupos na luta pelos seus  quase insignificante, em outros grupos da
                     direitos. Eles precisam estar representados  equipe de transição. Foi majoritária no gru-
                     nos ministérios, na economia, e devem par-  po da igualdade racial. Nos demais grupos,
                     ticipar da formulação de políticas públicas  a participação de pessoas negras foi extre-
                     sociais, de saúde, de educação, de cultura  mamente minoritária. Por isso, digo que
                     e das demais áreas. É preciso haver diálo-  existe uma distância entre a fala de Lula, o
                     gos e políticas públicas efetivas, com con-  compromisso que ele assumiu [na campa-
                     ferências também, mas, se as conferências  nha eleitoral], e as ações subsequentes por




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