Page 32 - Revista Política Democrática nº 49 - Novembro/2022

BREVE NOTÍCIA DA TERRA DEVASTADA - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES

e valores, hábitos e instituições, antes Uma crise estrutural, certamente, com
de começar a pôr de pé a parte suposta- aspectos até bizarros. Não é comum que
“ de um país distante e pequeno (ainda
alguém como Viktor Orban, autocrata
mente positiva da sua agenda.
que culturalmente muito relevante), tor-
ne-se uma espécie de ídolo global dos
“revolucionários” da extrema-direita,
A exasperação do
inclusive no país-chave do Ocidente, os
modelo para o programa de corrosão
conflito político, Estados Unidos. Mais do que ídolo, um
das democracias aplicado em várias re-
alidades nacionais. Pois a Viktor Orban
especialmente a partir fomos também apresentados na posse
mesma do presidente Bolsonaro, sinali-

de 2013, teve efeitos zando uma aliança e uma afinidade que
até então inocentemente ignorávamos.
desastrosos” “

Livramo-nos há pouco da promessa Não soubemos
bolsonarista da “construção” a ser cum-
prida em mais um mandato, mas é forço-
so admitir que só quatro anos bastaram lidar nada bem
para legar um cenário de terra devastada.
Em outras palavras, a metade inicial do com o instituto do
projeto está realizada. A celebração gros-
seira do “politicamente incorreto” conta-
minou parte das elites e infi ltrou-se por impeachment”
toda a sociedade, criando um reacionaris-
mo de massas agressivo e destruidor.
Juristas defenderam uma leitura gol- Há também uma dimensão propria-
pista da Constituição – em particular, mente interna – ou, mais do que isto,
do artigo 142, simultaneamente curto e um emaranhado de contradições que
prolixo, que na aparência dá voz a quem são coisas nossas e nos levaram à beira
numa democracia deve ser o “grande do precipício. A exasperação do conflito
mudo”. Médicos militaram, e talvez mi- político, especialmente a partir de 2013,
litem ainda, no movimento antivacina, teve efeitos desastrosos, cuja enumera-
deixando um traço lastimável de retro- ção exaustiva não cabe aqui.
cesso civilizatório. E a violência política Mencionemos só um exemplo. Não
tornou-se um recurso, quando não legí- soubemos lidar nada bem com o institu-
timo, ao menos aceitável para setores da to do impeachment. Todos os governos
sociedade contaminados pelo culto às não petistas, sem exceção, foram alvo de
armas e pela tentação de eliminar fisica- insistentes pedidos de impedimento por
mente o inimigo interno – se preciso for. parte do PT ou de figuras próximas. E, no
Na verdade, a contrarrevolução polí- entanto, o impeachment de Dilma Rou-
tica e cultural a que fomos submetidos sseff, num contexto de recessão brutal e
desde 2019 – e a que, em certa medida, perda de apoio parlamentar, teve como
assistimos “bestializados” – teve mais de contrapartida a acusação inapelável de
uma vertente. Desde logo, vimo-nos ar- “golpe”, como se 2016 tivesse sido o
rastados pela grande crise das democra- marco zero da ruptura institucional – o
cias contemporâneas, que está longe de que, a bem da verdade, não tivemos em
ter se esgotado e parece renovar-se em momento algum, sequer em 2018 e me-
cada eleição e em cada momento. nos ainda, obviamente, em 2022. Aliás,

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