Page 29 - Revista Política Democrática nº 49 - Novembro/2022
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BABALAWÔ IVANIR DOS SANTOS - ENTREVISTA ESPECIAL
não, é um lugar de poder. Sempre comento
que a sociedade discrimina alguém por ser “
Babalawô e ser negro, mas ser pós-doutor
é outra história. Porque entrou-se naquela
lógica do mérito, já que são poucos os que Entrar na academia
vão para esse lugar. A questão é como se
intelectual. Nem todos os acadêmicos são exige trazer novas
exerce este lugar, esta capacidade como
intelectuais. Normalmente, são reproduto-
res de meros conhecimentos, uma boa par- reflexões, novos
te deles. Não é à toa que eles não topam
certos debates porque não dominam, pois diálogos e novas
a academia não é uma verdade absoluta.
Ela tem várias verdades. A academia não é
para dar respostas. Na verdade, surge para possibilidades”
criar novas perguntas, e perguntas inte-
ressantes. Isto é dialética. Quando acha a
resposta e acha que a resposta é a verdade
absoluta, você engessa e não compreende Uma pessoa comprometida e brilhante
a dinâmica social. Sou acadêmico, histo- que nasceu na classe média é Heleno Teo-
riador, mas, antes de tudo, sou um negro, doro. O pai já era uma pessoa importante
militante, candomblecista, militante pela do Partidão, inclusive, na administração,
questão racial e direitos humanos. Não sou já era contador, formado em economia, e
só um acadêmico. Porque, ao se observar a a mãe era professora tradutora, mas são
trajetória de todos nós [negros], todo mun- raros [esses casos]. A maioria absoluta dos
do vem de família pobre, em que a mãe intelectuais negros hoje, apesar de não
“ Na minha família, somos a terceira gera-
unanimidade, veio das esferas populares.
ção, a partir de mim, de universitários. Te-
nho dois filhos que fazem mestrados, ou-
tros são formados. Meus dois netos mais
Nem todo acadêmico é
velhos estão na universidade. Meu pai era
é preciso entender essas histórias. As novas
intelectual. Às vezes, um mecânico que tinha que se virar. Então,
gerações estão tendo possibilidades, e as
pessoas não podem se deslumbrar com a
é mero reprodutor de academia, que tem uma diversidade muito
grande. Saber levantar esse debate a par-
tir dessa diversidade é o grande barato. É
teorias e metodologias” o que os negros hoje em dia têm feito na
academia porque pode nascer uma aca-
demia mais voltada para a compreensão
brasileira. A academia que tem hoje [no
era empregada doméstica, ou o pai, ope- Brasil] é europeia, digamos francesa, ou
rário. Raros são aqueles que tiveram famí- dos Estados Unidos. Quem é valorizado é
lias na classe média. Marechal do Exército quem tem algum doutorado ou mestrado
João Baptista de Mattos, primeiro negro a fora. Os grandes debates acadêmicos vêm
ocupar esse posto nas Forças Armadas, era desses dois grandes centros e se conhece
filho de mãe solteira. Se pegar a história muito pouco da Ásia e da própria África.
dele e observar como se dá a sua ascensão, Há muita produção na África que dialoga
verá um filho de mãe solteira, extrema- muito mais com a nossa realidade social,
mente discriminado. Os filhos viraram da com a nossa possibilidade, do que a dos
classe média depois porque ele virou mare- europeus. Muitos europeus progressistas
chal, general, oficial do Exército, mas qua- que achamos fora se inspiraram nos africa-
se ninguém assim nasce na classe média. nos. Há muita gente da África que foi até
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