Page 22 - Revista Política Democrática nº 43 - Maio/2022
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O CAMINHO DA AMÉRICA LATINA É A DEMOCRACIA - ALBERTO AGGIO
“ o deslocamento do eixo econômico para
o Pacífico, a China passou a ser o novo
Graal, sendo cotidianamente mobiliza-
É A EXPERIÊNCIA DO da como modelo diante dos dilemas de
inserção competitiva enfrentados pelas
economias latino-americanas.
Haveria também formulações alternati-
“MODERNO” COMO UM vas, autoproclamadas antagônicas ou de
resistência. No coração delas assenta-se a
PARADIGMA QUE NOS ideia de uma “segunda independência”
para o continente. Com maior ou menor
FAZ PENSAR SOBRE profundidade, isso fez emergir um mo-
saico de nacionalismos, em geral, débeis
e breves. A Revolução Cubana de 1959
NOSSAS IDENTIDADES E avançou por esse sendero, e seu regime
tornou-se, na América Latina, o epicen-
NOSSAS RELAÇÕES COM tro de um nebuloso projeto de ruptura
com a modernidade.
“ sultados cada vez menos auspiciosos e
Tal fabulação alimentou a reiteração
O MUNDO de estratégias terceiro-mundistas de re-
hoje francamente obsoletos diante de
uma realidade marcada pela mundia-
lização e por uma mudança tecnológi-
Esse debate intelectual é permanente, ca acelerada. O fracasso das guerrilhas
embora tenha estado mais vivo no mo- inspiradas em Cuba, os pífios resultados
mento da transição do autoritarismo para econômicos, além de um autoritarismo
a democracia que abarcou a maioria dos cada vez mais abjeto, acabaram por en-
países latino-americanos a partir da dé- sejar a abertura de uma reflexão crítica
cada de 1980. Hoje, imersos na comple- sobre o regime cubano, até então iden-
xidade da vida democrática, temos boas tificado como o paradigma consagrado
razões para retomá-lo. Isso coincidiu com dessas perspectivas alternativas. Nesse
o fim da URSS bem como da Guerra Fria. novo cenário, o imaginário da revolução
Buscar um caminho exclusivo tendo como perdeu energia e vitalidade, mesmo na
perspectiva o “sul do mundo”, como foi roupagem do bolivarianismo ou do “so-
praticado pelo chavismo e outras corren- cialismo del buen vivir”.
tes similares, mostrou-se uma tentativa li- Galvanizando enormes esperanças,
mitada e, por fim, pouco exitosa. É preciso o recente processo político chileno que
continuar a pensar em termos globais. se inicia em 2019 produziu a vitória da
Em comparação com aquele período, esquerda, com Gabriel Boric, e o esta-
o cenário atual não é de otimismo, e há belecimento de uma Convenção Cons-
fortes reminiscências. Condenada à “tra- tituinte, autônoma e paritária, que em
dutibilidade” do que não lhe é original, a breve apresentará ao país um novo texto
América Latina sempre foi pensada a par- constitucional para ir a plebiscito, em se-
tir de alguns modelos. O primeiro deles tembro. As notícias não são animadoras
foi o europeu, visto como algo a ser atin- em relação à aprovação do novo texto.
gido e, paradoxalmente, como responsá- De qualquer forma, o Chile mostra-se,
vel pelos históricos problemas que asso- no conjunto da América Latina, como um
lam a região. A partir do século XX, essa ponto avançado, mas também limite, no
referência ganhou a companhia e a con- processo de democratização latino-ame-
corrência do paradigma norte-americano, ricano. Há muita expectativa, muita es-
que passou a cumprir até com maior rigor perança, mas também muita crítica e até
a sina de adesão calorosa e repugnante frustração frente ao percurso e aos resul-
rechaço. Recentemente, o modelo orien- tados parciais já definidos pela Consti-
tal alcançou um inaudito prestígio. Com tuinte chilena.
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