Page 19 - Revista Política Democrática nº 43 - Maio/2022
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MARCO MARRAFON - ENTREVISTA ESPECIAL
possuía nem asfalto. Fui aprovado em Direi-
to na Universidade Federal de Mato Gros- “
so, mestrado e doutorado na Universidade
Federal do Paraná com estudos doutorais
em Roma. Meu pai, médico, pôde me dar A HISTÓRIA REGISTRA
condições de chegar lá, mas também teve
um esforço pessoal porque muitos filhos de QUE A URNA ELETRÔNICA É
há liberdade sem responsabilidade. Falar o mento em que não vamos mais conseguir “
TOTALMENTE CONFIÁVEL
médicos não conseguem. A educação foi a
chave do crescimento, e o ensino que tive
em Juara me preparou para o mundo.
A educação é, pois, a chave da transfor-
mação e da liberdade porque, com educa-
ção, se pode exercer responsabilidade; não da linguagem. Mas está chegando o mo-
que quiser, sem responder sobre o que se diferenciar, no plano prático, se estamos
fala, é muito fácil. interagindo com uma máquina ou com um
humano.
RPD: Você mencionou, no começo da O avanço de processamento de dados
nossa conversa, diversos instrumentos que pelas máquinas é extraordinariamente in-
estão em uso há relativamente pouco tem- tenso. Quem é auditor fiscal, por exemplo,
po. Gostaria que informasse quais seriam sabe do que estou falando. A capacidade
as fronteiras da mudança tecnológica hoje de estabelecer relações e cruzamento de
e os possíveis riscos que cada uma delas dados de maneira quase instantânea é
possa trazer consigo para nós. impossível ao Homo Sapiens. Na área da
comunicação política já existem pessoas
MM: São inúmeros instrumentos que lidando com redes de dados numa escala
estão fazendo uma verdadeira revolução. inimaginável, incluindo, praticamente, to-
Diria que, seguindo as lições de Yuval Ha- dos os eleitores cujos desejos e aspirações
rari, estamos vivendo talvez o último es- são mapeados e estudados.
tágio do Homo Sapiens, tal como conhe- A que levará tudo isso? De novo seguin-
cemos. Nós estamos vivendo no mundo do o raciocínio de Harari em sua obra Homo
do Big Data – da mega captação de dados Deus, é possível antever que através de
pessoais, de compreensão e formação de mecanismos artificiais, como um chip, será
avatares – que será impulsionado por um possível potencializar a capacidade huma-
grande motor que é o 5G, com uma hiper na de processamento de dados, como ten-
tecnologia de conexão, capaz de promover ta, por exemplo, a empresa Neuralink, de
uma super regulação para o bem e para o Elon Musk. Quando isso for bem-sucedido,
mal. O incrível desenvolvimento da Inteli- entraremos na era do transhumanismo.
gência Artificial (IA) e da robótica e, enfim, Essa simbiose humano-máquina indica que
o fortalecimento da realidade virtual com o já não será possível falar em Homo Sapiens
Metaverso indicam que ingressaremos em em sua forma originária.
uma nova era civilizacional. Com os chips, a tendência é que a capa-
As dotadas de alta capacidade de apren- cidade de manipulação de massas se torne
dizagem (deep learning) já estão aptas a assustadora. Primeiro porque aumentará
substituírem humanos em inúmeras tarefas ainda mais a captura de dados, incidindo
operacionais, ainda que trabalhem ape- até mesmo sobre nossa última fronteira da
nas no nível sintático da linguagem e com privacidade, que é a leitura de nossos pen-
base em uma lógica de probabilidades. Há samentos. Aparelhos que monitoram nossa
cerca de 20 anos, o humano já não tem saúde e enviam dados já estão disponíveis
a mesma capacidade de processamento de e presentes no cotidiano. Logo, a mesma
dados que as máquinas. As máquinas não tecnologia que permite captar impulsos ce-
possuem o que chamamos de consciência rebrais e dar comandos a pernas mecâni-
hermenêutica – essa dimensão existencial cas, por exemplo, vai permitir que mentes
que nos dá a sensibilidade de compreen- sejam lidas. Se o cérebro estiver “chipado”,
são do mundo que a gente vive em torno então, mais ainda.
MAIO 2022 REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 19