Page 14 - Revista Política Democrática nº 43 - Maio/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - MARCO MARRAFON




                     cultural que se constrói com o rádio, com  espalhe porque elas já possuem a informa-
                     a TV, porque ali o telespectador era mesmo  ção suficiente para manipular, forjar ideias
                     espectador, tinha uma postura mais passiva  e reforçar os pré-conceitos dos usuários. É
                     de recepção de conteúdo. Com o advento  uma forma de círculo vicioso, em que não
                     das redes sociais, os usuários passam a ser  há mais autonomia e liberdade. O usuário
                     também produtores: dão opiniões e produ-  deixou de ser produtor livre de conteúdo e
                     zem e divulgam vídeos, como no Youtube.   agora produz conteúdo em cima da mani-
                       Com o capitalismo de vigilância e os de-  pulação que as redes promovem. Logo, o
                     senvolvimentos dos últimos dez anos, ou  potencial de manipular eleições é enorme.    
                     seja, de 2010 a 2020 – agora de maneira      
                     muito forte, insidiosa –, esse grande número   RPD: Mesmo depois das reuniões que o
                     de informações que as grandes redes pos-  TSE promoveu com todas as mídias, Tele-
                     suem não serve mais para a pessoa produzir  gram, inclusive?    
                     conteúdo autônomo; serve para a pessoa
                     produzir conteúdo que ela já está pré-dis-  MM: Entendo que sim. A grande questão
                     posta a produzir. Não tem mais liberdade  é que questões globais – e falo de uma ques-
                     e autonomia nessa produção. Na verdade,  tão que envolve redes sociais internacionais
                     torna-se de novo um espectador passivo e  e um movimento que não se restringe ao
                     obediente. Ele está repetindo frases, espa-  Brasil – se resolvem com políticas globais.
                     lhando memes que as redes querem que ele  Ao que assistimos, é um movimento muito

                                                                                                      Foto: divulgação/arquivo pessoal



























                     importante do TSE de tentar coibir, de ame-  ciais, que se revelaram eficazes e explosivas em
                     nizar os danos, mas é impossível, hoje, com  diversos contextos, como a Islândia, a Espanha,
                     a tecnologia, que se elimine a influência. To-  os Estados Unidos e a Primavera Árabe. Parece,
                     dos os movimentos de tentativa de controle  porém, que, depois de um certo ponto, houve
                     de fake news, de controle da manipulação,  uma inflexão, e as redes deixaram de se com-
                     são muito bem-vindos, porque são proces-  binar com as manifestações de massa e passa-
                     sos auxiliares, na tentativa de atenuar riscos  ram a se dedicar mais às eleições. Talvez o Brexit
                     e diminuir influência, mas isso é uma ques-  possa ilustrar a inflexão desta tendência. Você
                     tão global, e, portanto, o enfrentamento  acha que houve realmente uma mudança de
                     também tem que ser global.               uma ênfase nas manifestações de rua para as
                                                              eleições, e a grande capacidade de manipula-
                       RPD: Penso que as primeiras interpretações  ção de dados se demonstrou mais intensa?    
                     das  redes  sociais como ágoras virtuais foram
                     excessivamente otimistas. Referiam-se às mani-  MM: É um argumento com que con-
                     festações em massa convocadas por redes so-  cordo porque justamente nesse processo,




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