Page 20 - Revista Política Democrática Online nº 40 - Fevereiroo/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - RUBENS RICUPERO




                     louvável, mas na minha situação, quase  que não tinha nenhuma universidade, a
                     com 85 anos, com pouco tempo disponí-    não ser a criada no papel em 1921. Mes-
                     vel, prefiro olhar para a frente.        mo em 1950, ano da eleição de Vargas,
                                                              havia somente 45 mil ou 46 mil pessoas
                       RPD: Qual deveria ser o balanço des-   inscritas em cursos superiores. No ano pas-
                     sa produção com olhos no futuro?         sado, chegou-se a oito milhões e 600 mil.
                                                              Não se pode dizer, então, que o Brasil ficou
                       RR: Como o balanço de qualquer país,  parado. Entramos no século 20, em 1900,
                     o nosso também se divide em luzes e som-  com 17 e meio milhões de habitantes, dos
                     bras. Gosto de usar a imagem da constru-  quais 86% de analfabetos totais, muitos
                     ção, que aliás não tem nada de original,  remanescentes da escravidão, recém termi-
                     a ideia de construção ou formação é uma  nada. Havia enorme população marginal,
                     ideia presente, como mostrou Antônio  com subemprego. A expectativa de vida
                     Candido, na obra de quase todos os intér-  mal chegava a 30 anos. No Rio de Janei-
                     pretes do Brasil, a ideia de formação, da  ro, até Oswaldo Cruz se tornar o diretor da
                     sociedade patriarcal, da economia, do Bra-  saúde pública, em todos os anos, desde a
                     sil contemporâneo, até no livro do próprio  época de Dom João VI até 1906 ou 1907,
                     Antônio Cândido sobre a formação da li-  os óbitos eram mais numerosos do que os
                     teratura brasileira. É uma ideia antiga que  nascimentos, a cidade só crescendo por mi-
                     vem dos anos 20, dos anos 30.            gração. Maria Luiza Marcilio, fundadora da
                       Parece óbvio que toda nação seja uma  história estatística no Brasil, escreveu um
                     construção permanente, que não termina  belo estudo a esse respeito, baseado em
                     nunca, a não ser quando é demolida e vira  pesquisas primárias em arquivos de paró-
                     ruínas como em Roma até aparecer nova  quias. Não se pode dizer, portanto, que o
                     construção em cima. Mas a história é isso,  Brasil não caminhou nada nesses 200 anos,
                     é uma construção permanente com altos e  por isso é preciso assinalar o que se fez e o
                     baixos. Estamos vivendo no Brasil um mo-  que se deixou de fazer.   
                     mento de demolição. O  presidente Bolso-
                     naro mesmo declarou em várias ocasiões
                     que tinha vindo não para construir alguma
                     coisa e sim para demolir.  
                       Temos 200 anos de história com muita                                           Foto: Reprodução/Youtube
                     coisa admirável realizada, que não se deve
                     ignorar, dando ênfase apenas ao que falta.
                     Em contraste com o orgulho dos argenti-
                     nos sobre o seu primeiro centenário, o que
                     “                                        tem data marcada para terminar?  
                     vemos se olharmos para 1922? Um país

                                                                RPD: A celebração do bicentenário


                      O ÍNDIO NO BRASIL VIU SUA
                                                                RR: O bicentenário brasileiro está em
                      CONDIÇÃO PIORADA, PASSOU                curso e não terminará no marco cronoló-
                                                              gico, que é sete de setembro. Vai terminar
                      A VIVER SOB AMEAÇA DE                   apenas na data das eleições porque uma
                                                              coisa é a cronologia, outra coisa é a realida-
                      EXTINÇÃO DESDE O COMEÇO                 de, é a história, é o espírito de uma época.
                                                              É como se costuma dizer que o século 20
                      DA COLONIZAÇÃO DOS                      não começou em 1901, começou de verda-
                                                              de em 1914, quer dizer, o espírito do sécu-
                      PORTUGUESES                         “   lo começa em 1914 com a Grande Guerra.
                                                              No nosso caso, o terceiro centenário só co-
                                                              meça depois que terminar essa fase penosa
                                                              a que estamos assistindo, que esperamos




       20                                       REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                       FEVEREIRO  2022
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