Page 18 - Revista Política Democrática Online nº 40 - Fevereiroo/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - RUBENS RICUPERO




                                                                RR: O que temos visto até agora é a
                    Foto: Reprodução/Youtube                  incapacidade de autorreforma pela velha
                                                              razão de os principais beneficiários do sis-
                                                              tema serem os que teriam de fazer as re-
                                                              formas, cortando na própria carne. Nesse
                                                              sentido, Bolsonaro representa o sintoma
                                                              mais alarmante da deterioração mórbida
                                                              do sistema, um indício de que sua disfun-
                                                              cionalidade atingiu um nível em que ele
                                                              começa a se autodestruir. Não acredito que
                     Pena, um pouco mais, uns nove anos de  a eleição vá representar em si mesma uma
                     estabilidade e prosperidade, o da Nova Re-  saída para a crise do sistema. Se a eleição
                     pública serão os 16 anos dos mandatos du-  levar ao poder não só um presidente, mas
                     plos de Fernando Henrique e de Lula.     também um Congresso mais consciente da
                       Depois disso, percebe-se o início de  gravidade da crise, menos patrimonialis-
                     uma decadência ininterrupta, que temo  ta, poderá surgir a oportunidade de uma
                     ser difícil de reverter, uma espécie de ca-  ampla negociação para enfrentar esses
                     minho de autodestruição do sistema polí-  problemas que vêm da legislação partidá-
                     “                                        das emendas de relator, tudo o que tem de
                     tico, devido às razões conhecidas: legisla-
                                                              ria, da eleitoral, do orçamento “secreto”,
                                                              ser modificado para que o sistema recupe-
                                                              re um mínimo de funcionalidade. Se não
                                                              conseguir fazer isso, o novo presidente não
                                                              conseguirá governar, a crise se agrava e em
                     O PRESIDENTE BOLSONARO
                                                              37 anos (1985-2022) acabará como acaba-
                     MESMO DECLAROU EM VÁRIAS                 algum momento, o regime que já dura há
                                                              ram seus antecessores por meio da ruptura
                     OCASIÕES QUE TINHA VINDO NÃO             institucional.   
                                                                  
                                                                RPD: Até onde chegamos nesses 200
                     PARA CONSTRUIR ALGUMA COISA
                     ção permissiva favorecendo a proliferação “  independente em um momento nega-
                                                              anos?  
                     E SIM PARA DEMOLIR
                                                                RR:  Chegamos aos  200 anos de vida

                                                              tivamente crítico de nossa história. Há

                                                              propícios. Por exemplo, os argentinos se or-
                     de partidos, na verdade mais sindicatos de   certos  centenários ou bicentenários mais
                                                              gulham de que o primeiro centenário deles
                     interesse para ter acesso aos recursos do   coincidiu com momento de apogeu do país
                     fundo partidário, dificuldade de maioria   (1910).  Essa é uma visão nostálgica, de certa
                     em parlamento fragmentado, com pode-     forma aristocrática, dos que se identificavam
                     res quase de regime parlamentarista que   com o regime liberal das grandes famílias,
                     exacerba ao máximo o patrimonialismo,    que deliberadamente ignoram que os feste-
                     a utilização dos mandatos para controlar   jos do centenário argentino ocorreram sob
                     recursos públicos para fins ilícitos ou irra-  estado de sítio, diante de ameaças anarquis-
                     cionais, culminando na situação atual na   tas, do medo causado pela “Semana Roja”
                     qual o Congresso controla a parte mais   das greves proletárias. Um analista político
                     importante do orçamento, sem nenhuma     argentino, Rosendo Fraga, chegou a afir-
                     responsabilidade em relação aos efeitos   mar: “No  segundo século, os argentinos se
                     negativos para a economia, perpetuando   empenharam em destruir tudo que haviam
                     a estagnação e o desemprego.             construído no primeiro». Embora exagerada,
                                                              essa visão serve para mostrar que, no caso
                       RPD: Há tempo para se corrigirem as    da Argentina, havia ao menos circunstâncias
                     distorções? Por exemplo, as eleições de   objetivas que justificavam a gabolice. Era um
                     outubro próximo poderão contribuir       país que parecia ter dado certo, admirado
                     para um novo Brasil?                     no exterior, recebia importantes visitantes



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