Page 25 - Revista Política Democrática Online nº 40 - Fevereiroo/2022
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RUBENS RICUPERO - ENTREVISTA ESPECIAL




                     Gramsci ao ser transferido de prisão e re-  que isso venha acompanhado de violên-
                     ver, depois de anos preso, seu rosto no  cia. Todos os regimes ou sistemas políti-
                     espelho do  banheiro  do  trem,  teve  um  cos que tivemos terminaram por ruptura
                     choque fortíssimo de não reconhecimen-   institucional, isto é, por rompimento das
                     to. Na carta ao irmão, Gramsci reformu-  regras constitucionais.  
                     lou o programa de vida traçado por Ro-     A ruptura da base institucional é violen-
                     main Rolland “pessimista na inteligência,  ta por abandonar as regras anteriormente
                     otimista na vontade”. Assim descrevia  aceitas, porque a mudança não ocorre em
                     seu ideal, que me permito fazer meu:     obediência, mas em violação às normas
                                                              estabelecidas. Nem sempre vem acompa-
                       “o homem deveria alcançar um grau  nhada de violência física, de guerra civil, de
                     máximo de serenidade estoica, e adquirir  destruições, apesar da frequência dos câm-
                     a convicção profunda de que possui em  bios violentos. A frase de Marx em O Capi-
                     si mesmo a fonte das próprias forças mo-  tal de que “A violência é a parteira de toda
                     rais, de que tudo depende dele, de sua  a sociedade velha que está prenhe de uma
                     energia, de sua vontade, [...] – a ponto de  sociedade nova” tem muito de verdade.  
                     jamais desesperar e não cair nunca mais    Basta pensar nas convulsões da França
                     naqueles  estados  de  espírito  –  vulgares  na Revolução de 1789, nas de 1830, 1848,
                     e banais – a que se chamam pessimismo  na Comuna de 1871; no final wagneriano
                     e otimismo. Meu estado de espírito sin-  do nazismo na Alemanha, do fascismo na
                     tetiza esses dois sentimentos e os supe-  Itália. Até  os Estados  Unidos não  escapa-
                     ra: sou pessimista com a inteligência,  ram à prova da violência no nascimento da
                     mas um otimista com a vontade”.          sociedade pós-escravagista com a espanto-
                                                              sa e mortífera violência da Guerra Civil.  
                       No fundo, o que Gramsci e outros fi-     Já no caso do Brasil, felizmente fomos
                     zeram foi dar expressão a uma verdade  em geral poupados de extremos de violên-
                     que todos temos presente na consciência,  cia física nas rupturas da proclamação da
                     a de que o futuro não está traçado, não  República, da própria Revolução de 30, não
                     está pré-determinado, ele não está escri-  tanto no golpe de 1964, no seu melancóli-
                     to nas estrelas, o futuro vai depender do  co fim. Quem sabe o que reserva a história
                     que a gente fizer ou deixar de fazer, tan-  para o carcomido regime brasileiro? 
                     to o futuro do Brasil como o de qualquer    
                     outro país. Até pouco tempo atrás, a gen-  RPD: O senhor nos deixa com certo
                     te tinha aquela ilusão de que os Estados  sentimento antecipado de inveja por
                     Unidos, por exemplo, seriam um país de  não podermos desfrutar dos diálo-
                     democracia irreversível, que só poderia se  gos que promoverá na Cátedra José
                     aperfeiçoar com o tempo. Com a eleição  Bonifácio.  
                     de Trump e tudo que aconteceu, vimos
                     que não era assim. Já tínhamos aprendido   RR:  Não se preocupe, serão todos
                     isso com o nazismo na Alemanha, antes  transmitidos por canais virtuais. É de meu
                     disso com o fascismo na Itália, isto é, ne-  interesse também que as discussões se
                     nhuma comunidade humana, nenhuma  multipliquem, para compensar esse deba-
                     formação social, nenhuma nação, pode  te paupérrimo que nos assola, sobretudo
                     afirmar: “Cheguei ao ponto mais alto de  em ano de eleições. É claro que não va-
                     realização, a partir de agora, vou me dei-  mos conseguir afetar diretamente a cam-
                     tar  na  rede  e  usufruir  porque  não  terei  panha eleitoral, mas a gente deveria fazer
                     mais problemas”. Na realidade, nada está  um esforço para que o resultado das re-
                     garantido, tudo pode piorar, caminhar  flexões sobre o bicentenário influencie de
                     para trás, uma linha tênue separa a ci-  alguma maneira o debate público.
                     vilização da barbárie, a história tem um
                     componente muito grande de tragédia.  
                       Receio que o futuro brasileiro, nos pró-
                     ximos 100 anos, terá momentos muito                SAIBA MAIS SOBRE O ENTREVISTADO
                     difíceis. Vejo com dificuldade como esse
                     sistema político que temos dará lugar a                  RUBENS RICUPERO
                     um sistema menos disfuncional, pode ser



       FEVEREIRO  2022                          REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                                    25
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