Page 32 - Revista Política Democrática nº 48 - Outubro/2022
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A ECONOMIA POLÍTICA DOS CORPOS - DELMO ARGUELHES




                     nos meios de comunicação no país, há  lula anticoncepcional e toda a luta por
                     alguns anos, onde se perguntava: “onde  direitos civis dos últimos 70  anos.  Não
                     você guarda seu preconceito?” Racismo  vamos tomar esse caminho. Pensaremos
                     e ódio de classe são ideologias, são re-  apenas na dicotomia reichiana mãe/pros-
                     produzidos  na  cultura  e  na  linguagem,  tituta que existe num país com passado
                     funcionando como ficções simbólicas,  escravista  e colonial,  e como  tal  dupla
                     que regulam a realidade. Dito isso, há  fica patente na clivagem social.
                     também décadas de pensamento social,       Por colonização, sempre adotamos a
                     antirracista,  pós-colonial  e  decolonial,   definição da fundamental obra de pen-
                     os  quais  forneceram  e  ainda  fornecem   samento pós-colonial de Alfredo Bosi,
                     a base para uma crítica eficaz daqueles   Dialética da colonização (1992).  Colo-
                     preconceitos.                            nizar é ocupar um novo chão, explorar
                       O psiquiatra e psicanalista Wilhelm  a terra e submeter os naturais. Ou seja,
                     Reich (1897-1957), oriundo do antigo  um processo profundamente violento e
                     Império Austro Húngaro, publicou, den-   genocida. Os colonizados, vítimas desse
                     tre outras obras clássicas, Psicologia de  processo, servem, primariamente, como
                     Massas do Fascismo (1933). Nesta obra,  mão de obra barata, pronta para ser ex-
                     Reich vincula a repressão sexual à desva-  plorada.
                     lorização da sexualidade feminina diante   Benjamin Moser, um estudioso esta-
                     da reprodução, contrapondo dois tipos    dunidense da obra de Clarice Lispector,
                     ideais: a mãe e a prostituta.            já havia observado que a elite brasileira
                       Numa sociedade em que as mulheres  trata a terra e o povo como objetos de
                     têm de estar dispostas a ter filhos, sem  conquista colonial. Ou seja, para a elite,
                     qualquer proteção social, sem garantias  as classes subalternas ainda seriam obje-
                     quanto  à  educação  das  crianças,  sem  to de domínio, como na antiga América
                     mesmo poderem determinar o número  Portuguesa. A concepção de trabalho
                     de filhos que terão, mas que mesmo as-   doméstico, no Brasil, ainda guarda muito
                     sim têm de ter filhos sem se insurgirem  das características do passado colonial e
                     contra isso, é realmente necessário que  escravagista.
                     a maternidade seja idealizada, em opo-     A repressão sexual não age sem dei-
                     sição à função sexual da mulher (Reich,   xar marcas no inconsciente, como bem
                     2001: 99) Grifos nossos.                 já havia observado Sigmund Freud. Os
                       Trazer todo o raciocínio de Reich para  corpos das classes oprimidas não servem
                     a atualidade, quase um século após a  apenas para a exploração no trabalho.
                     publicação da obra, por óbvio, guardaria  Servem também como deleite sexual, já
                     muitos problemas, se não forem feitas as  que as mulheres que seriam recatadas e
                     devidas ponderações sobre as mudanças  “do lar” estariam destinadas à materni-
                     de mentalidade e atitude na sociedade  dade. Há décadas se pensa o fenômeno
                     ocidental desde os anos 1930. Isso inclui  fascista como uma aliança transitória
                     a revolução sexual dos anos 1960, a pí-  entre canalhas – que pregam uma socie-
                     “                                        –, e pessoas amedrontadas, indignadas
                                                              dade ideal homogeneizada e excludente
                                                              com a perda de privilégios ou ávidas por
                                                              lucro. No caso brasileiro, além de tudo
                                                              isso, há também a identificação do pro-
                     HÁ DÉCADAS SE PENSA
                                                              que conquista, explora e oprime.
                     O FENÔMENO FASCISTA                      jeto fascista com o inconsciente colonial,
                     COMO UMA ALIANÇA

                     TRANSITÓRIA ENTRE                      “            SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR

                     CANALHAS                                                DELMO ARGUELHES






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