Page 38 - Revista Política Democrática nº 44 - Junho/2022
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GUERRA ÀS DROGAS E A INSISTÊNCIA NO FRACASSO - FELIPE BARBOSA




                       O imbróglio é que a história comprova
                     exatamente o contrário. Nunca existiu uma  “
                     sociedade em que não tivesse havido con-
                     sumo de substâncias entorpecentes. Seja
                     por motivos religiosos, medicinais seja por   O TERRORISMO ESTATAL
                     fins meramente recreativos. Convivemos,
                     tenciais tão danosos quanto determinadas  É LEGITIMADO QUANDO
                     diariamente, com drogas lícitas, com po-
                     substâncias proibidas por escolhas políticas.
                       A decisão de “o quê” se proibir sempre   O INIMIGO SÃO OS
                     esteve vinculada a questões de controle
                     social. Geralmente, das minorias “qualita-
                     tivas”. A opção não funciona como política  “PERIGOSOS” MORADORES
                     de eliminação das drogas, mas surte efeitos
                     para fiscalizar, controlar os corpos e encar-  DA FAVELA
                     cerar a população indesejada.                                                  “
                       A gênese da “guerra às drogas”, cunha-
                     da com essa denominação de conflito mili-
                     tarizado e maniqueísta, do “bem” contra o  insegurança,  colocou a  população  vulne-
                     “mal”, ocorreu na década de 1970. O pre-  rável na mira das agências penais norte-a-
                     sidente Richard Nixon elegeu os entorpe-  mericanas. Negros e latinos se tornaram os
                     centes como inimigo número um dos EUA.  hóspedes prediletos do sistema carcerário
                     O modelo, malsucedido, foi exportado aos  mais numeroso do planeta.
                     quatro cantos.                             Em 1993, com o fim do Apartheid, a
                       O vultoso capital investido, a tecnolo-  África do Sul havia prendido 853 homens
                     gia de ponta do aparato bélico, as massi-  negros a cada 100 mil habitantes. Os EUA
                     vas campanhas midiáticas governamentais  aprisionaram 4.919 negros a cada 100 mil
                      “                                       mais provável prender um negro na terra
                                                              habitantes (e “somente” 943 brancos). Era
                                                              da liberdade do que em um regime decla-
                                                              radamente supremacista.
                     NEGROS E LATINOS SE                      co-sanitaristas, de classificação de substân-
                                                                Os supostos critérios científicos, médi-
                                                              cias proibidas, escondem elementos reche-
                     TORNARAM OS HÓSPEDES                     ados de racismo e xenofobia.
                                                                O Brasil criou sua versão doméstica de
                     PREDILETOS DO SISTEMA                    guerras às drogas, mais hipócrita e san-
                                                              guinária. Nosso modelo proibicionista é o
                                                              mais mortal do mundo. Estamos em últi-
                     CARCERÁRIO MAIS                          mo lugar no Índice Global de Política de
                                                              Drogas. Violência policial e ausência de
                     NUMEROSO DO PLANETA                      políticas públicas de redução de danos são
                                                           “  vertentes, não incorporamos o modelo de
                                                              vetores deste desempenho medíocre.
                                                                Apesar de copiarmos os EUA em tantas

                                                              polícia comunitária. Preferimos o embate,
                                                              a cultura do medo, a faca na caveira, a vio-
                                                              lência simbólica. Privilegiamos a ocupação
                     geradoras de pânico social, não impediram  territorial no melhor estilo colonialista.
                     que a potência número 1 do mundo se        A cultura militar do Exército, passada à
                     notabilizasse por ter a mesma posição no  polícia, adentrou ao período pós-ditadura.
                     ranking de países consumidores de entor-  A alça de mira da repressão estatal afas-
                     pecentes proscritos.                     tou-se dos subversivos políticos centra-
                       A retórica militar da guerra ao tráfi-  lizando o foco no novo inimigo social, o
                     co, alimentada pela difusa sensação de  favelado-traficante.  Estes  passaram  a ser




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