Page 15 - Revista Política Democrática nº 44 - Junho/2022
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CARLOS MELO - ENTREVISTA ESPECIAL




                     esses processos a quente, o que me faz
                     lembrar de anedota atribuída a um político  “
                     chinês,  que,  perguntado  sobre  a  Revolu-
                     ção Industrial, disse: “Bom, só se passaram
                     três, quatro séculos. É, portanto, muito  VÁRIOS SETORES DA
                     cedo para avaliar”.
                       Eu diria que as mudanças que estamos  SOCIEDADE, COMO O MERCADO
                     enfrentando ainda não nos deram tempo,
                     nem distância, para serem avaliadas. Daí  FINANCEIRO, PRECISAM SABER
                     talvez porque a política não tenha podido   QUE A PAUTA MUDOU
                     oferecer respostas, dando origem ao sen-
                     timento de desamparo de muita gente em                                         “
                     nossos dias. O que se vocaliza é a demago-
                     gia. Não vou dizer que seja o populismo,
                     porque o populismo, com todos os seus de-
                     feitos, tem uma qualidade superior a essa  o sistema político esteja absolutamente
                     demagogia em voga na fala das lideranças  perdido, sem capacidade de resposta.
                     políticas que conhecemos. Não surpreen-    Os partidos, não só do Brasil, mas da
                     de, assim, que, diante dessa confluência de  maioria dos países democráticos, padecem
                     fatores e da multiplicidade de demagogos,  desse mal. O grande historiador Tony Judt

                                                                                                      Foto: Reprodução/CNN Brasil



























                     antecipou em um livrinho, cujo título O mal  brasileira. Contrapropus falar não do Brasil,
                     ronda a Terra já tudo revelava, um proces-  mas do mundo. É o cenário por onde se
                     so da década final do século passado, inva-  aceleram esses processos tecnológicos que
                     dindo o atual, de mal-estar que já adoecia  causam mal-estar. Foi quando um senhor
                     o sistema político. Ele defendia a volta de  da plateia me interpelou: “Mas o que tem
                     uma visão capaz de reunir as pessoas que,  de errado em adotar avanços tecnológicos
                     como ele, estivessem tão absolutamente  para reduzir custos de produção?”. Res-
                     desoladas. A morte precoce privou-o de  pondi: “Não sei se é certo, ou se é bom,
                     aprofundar seu pensamento e de contri-   saberemos dentro de um século, mas, ago-
                     buir para, quem sabe, influir nos partidos,  ra, vivemos uma transição, que é custosa”.
                     nos intelectuais, e dar as respostas recla-  Sérgio Abranches amplia essa discussão
                     madas por esse processo extraordinário de  com particular brilho, em seu belo livro A
                     transformação.                           era do imprevisto.
                       Há pouco tempo, um ano antes da pan-     Essa discussão não é nova, mas se-
                     demia, fui convidado a falar sobre a política  gue importante. Zygmund Bauman, por




        JUNHO  2022                             REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                                    15
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