Page 19 - Revista Política Democrática nº 44 - Junho/2022
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CARLOS MELO - ENTREVISTA ESPECIAL




                     degradação. Lembremos que a direita ra-  melancólicos. Mas talvez convenha pas-
                     dical teve figuras pelo menos mais bem  sar a conversa para a questão central, a
                     formadas. Do Plínio Salgado ao Carlos  de examinar a série de partidos, desde
                     Lacerda, ao próprio Paulo Maluf, com  a União Brasil, pela centro-direita, até o
                     todos os seus problemas, eram políticos  Cidadania, pela centro-esquerda, pas-
                     mais bem equipados do ponto de vista  sando pelo PSD, do Kassab, PSBD, MDB,
                     intelectual, inclusive. Com o ocaso do  frações de um centro democrático que
                     malufismo  no  começo  dos  anos  2000,  há décadas – não é um fenômeno recen-
                     a direita debilitou-se, caiu no  vazio  ter-  te – não consegue se articular, se coorde-
                     rível. O PSDB tentou abraçá-la, mas não  nar, minimamente. Por que a prevalência
                     conseguiu.  Faltava-lhe  um  ingrediente,  dessas forças centrífugas no território do
                     um princípio ativo ao Serra e ao Alckmin.  centro? Isso tem conserto?
                     Esse princípio ativo apareceu nesse gené-
                     rico Jair Bolsonaro, que também é uma      CM: Gostei muito da imagem do “ter-
                     degradação no sentido da liderança mes-  ninho bolivariano”. Percebi isso semanas
                     mo de uma direita radical, extremista.   atrás em um evento na PUC, São Paulo,
                       Parodiando a música do Pedro Caeta-    mas  não  tinha  elaborado  dessa  forma
                     “                                        uma série de questões de conceituação.
                     no, é com esse que eu vou. É isso que  brilhante. É perfeito.
                                                                Quanto à questão do centro, existe

                                                              Primeiro, falar de centro no Brasil é falar
                                                              de muita coisa. Fala-se de um centro fi-
                                                              siológico ou de um centro democrático?
                      O CENTRO NÃO SE DISPÕE A
                                                              crítica  ao  centro  fisiológico.  Seu  maior
                      ASSUMIR CLARAMENTE UM                   Geraldo Alckmin, em 2018, foi vítima da
                                                              erro foi deixar-se abraçar pelo Centrão.
                      PROJETO, UMA VISÃO                      Aliás, o governo do Temer foi um gover-
                                                              no de centro, o Temer sendo um primus
                      DE MUNDO                             “  inter pares. Durante algum tempo, não
                                                              se usava o termo centrão, era “peeme-
                                                              debização”, referindo-se à lógica pee-

                     a gente tem. Infelizmente é isso, com    medebista de abandonar candidaturas
                                                              majoritárias, para aderir a quem se esti-
                     todo o respeito ao Lula, porque não cabe   mava fosse ganhar a eleição e engordar
                     compará-lo a Bolsonaro. Essa é a verda-  suas bancadas, para beneficiar-se, assim,
                     de. Mas mesmo o Lula é um homem de       de um butim maior da máquina pública.
                     ontem, não é um homem de amanhã. É         Segundo, tem também um centro de-
                     um homem de ontem. Só que a gente        mocrático, que, sendo justo, inclui par-
                     está em uma situação tão complicada      celas do MDB, de fato preocupadas com
                     que talvez seja necessário recuperar o   a democracia. O problema é que ambos
                     ontem para colocar os pés no presente    os tipos de centro se confundem. Veja,
                     de novo e, quem sabe, daqui a quatro     por exemplo, o caso do PSDB. Depois de
                     anos, poder olhar para o futuro.         tantas idas e vindas, depois de perder
                       RPD: A gente está lidando entre o es-  sua principal característica fundadora –
                     trutural e o conjuntural, no mundo e no   a ideia da social-democracia, de ser um
                     Brasil. Passamos aí pela extrema trucu-  partido de centro-esquerda –, pouco a
                     lência da direita atual e, também, pela   pouco, perdeu a identidade de centro-
                     velhice do padre eterno da esquerda. Os   -esquerda, para se tornar um partido
                     sintomas de envelhecimento do Lula se    de centro por excelência. Ele tem seto-
                     mostram até no vestuário. Não sei se vo-  res que são centro democrático e seto-
                     cês  têm reparado  que ele  se  apresenta   res que são centro fisiológico. A luta do
                     ainda hoje, depois de 20 anos, com o     PSDB, hoje, é para não ter um candidato
                     mesmo terninho bolivariano nas apresen-  à presidência da República, para ficar li-
                     tações públicas, para um público sempre   berado à adesão fisiológica nos estados,
                     exaltado. São sinais do passado, signos   à lógica do partido estadual, à lógica da




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