Page 18 - Revista Política Democrática nº 44 - Junho/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - CARLOS MELO
candidato buscando a reeleição, apoiado
em uma corrente de opinião radical, ex- “
tensa, ampla, embora minoritária, e que
prescinde de siglas partidárias. De outro,
como o nome mais bem posicionado nas A CRISE HAVERÁ DE
pesquisas até este momento, um can-
didato ancorado em um partido estru- CONTINUAR A PARTIR DE
turado, sólido, também dependente da JANEIRO DE 2023
vocalização de um único líder. Está claro
que a democracia necessita mais do que
isso. O que nos falta? Putin, figura terrível, deletéria. No Bra-“
CM: O fato de a gente chegar a esta Merkel, reduzidos como estamos a um
altura da disputa eleitoral diante do dile-
ma Lula ou Bolsonaro é revelador da cri- sil, no lugar de um doutor Ulysses ou
se de liderança política por que estamos de um Nelson Jobim, gente do que se
passando. Essa crise, aliás, não atinge só poderia chamar alto clero, ou José Ge-
o Brasil. Se compararmos a liderança po- noíno, Gastone Righi e José Lourenço,
lítica do mundo nos anos 1980, época temos agora gente de todos os matizes,
da queda do muro de Berlim e, depois, conformando um baixíssimo clero que
da unificação da Europa, com a lideran- se tornou hegemônico. Dos remanes-
ça que temos hoje, é desolador. É ver- centes daquela época – o período da
dade que algo tem também a ver com o redemocratização – sobraram-nos Fer-
processo de transformação da era Rea- nando Henrique com 93 anos de idade
gan/Thatcher. Lembremos que Thatcher e Lula, com 76 anos.
“ um homem não substitui um partido. Te-
Voltando ao processo como um todo,
declarou que esse negócio de sociedade
nho dito há mais de um ano, quando me
perguntam da possibilidade da candida-
tura do Lula, que, apesar de todos os pro-
SE AS INSTITUIÇÕES
por um estado-maior de altíssima quali-
dade. Pode-se gostar ou não, mas, olhan-
ESTIVESSEM FUNCIONANDO, blemas com a justiça, ele estava cercado
do para o passado, ele podia contar com
NÃO TERÍAMOS O BOLSONARO. José Dirceu, Luiz Gushiken, uma pessoa
extraordinária, responsável pela indicação
SIMPLES ASSIM. EXISTE, SIM, do Palocci, Márcio Thomaz Bastos, Duda
Mendonça, um staff capaz de livrá-lo de
OPORTUNISMO NO SISTEMA um monte de frias. Hoje isso não acon-
tece. Enquanto conversamos, Lula terá
“ aquele homem que dava regularmente
POLÍTICO BRASILEIRO voltado a errar em algo. Ficou, às vezes,
quase irreconhecível, na comparação com
provas de sapiência, de sagacidade po-
não existe, o que existe são os indivíduos lítica. Era bem aconselhado, muito bem
assessorado. Diante do vazio dos parti-
e suas famílias. Outro dia, comentei essa dos – PT, incluído –, as lideranças políticas
opinião com o ministro Delfim Neto, que decaíram em qualidade de forma estron-
se limitou a dizer: “Foi um equívoco”. dosa. Restou o Lula. Então, tudo bem, é
Equívoco ou não, a sociedade acreditou com esse que a gente vai. Tem méritos?
que ela não existia e voltou-se para um Tem méritos, mas está longe de ser aquele
individualismo hedonista, consumista. quadro de 2002, quando tinha um grupo.
O enfraquecimento da liderança tor- A crise de liderança política afeta a
nou-se evidente. Sentimos falta de um todos. Olhemos para a direita, temos
Adenauer, de um Kohl, de uma Angela em Bolsonaro um bom exemplo de
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