Page 20 - Revista Política Democrática nº 42 - Abril/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - MARCO ANTONIO VILLA
diariamente, para minha perplexidade – a política? E nós não conhecemos o Brasil
impressão de que está fazendo o jogo do de hoje. O Brasil de hoje não é o Brasil da
bolsonarismo, tanto quanto, ao atacar o década de 1950, não é aquele reducionis-
Bolsonaro, é a vez de fazer o jogo do PT. mo do Jacques Lambert dos dois Brasis, o
O desafio é, então, como construir uma atrasado e o moderno, o do litoral e o do
alternativa de poder não só eleitoral, mas sertão. Hoje o país é muito complexo. A
algo que demonstre que, no futuro, quan- região metropolitana de São Paulo, que é
do se chegar ao poder, não se seguirá as a maior do Brasil, tem cerca de 20 milhões
linhas do bolsonarismo nem as do PT. O de habitantes, 18 a 20 milhões na região
problema, embora seja duro reconhecer, é metropolitana, que são três dúzias de mu-
que o país nunca teve uma crise de lideran- nicípios. Só que parte desses municípios
ça política como a que temos hoje. Cos- não tem serviço de tratamento de água e
tumo dar o exemplo da eleição de 1982, esgoto, na região metropolitana mais de-
final do regime militar, quando Franco senvolvida do país.
Montoro venceu em São Paulo, Tancredo
Neves venceu em Minas e Leonel Brizola
no Rio de Janeiro. Hoje temos João Doria, “
Romeu Zema e Cláudio Castro, referências
que dispensam análise, diante da evidente
pobreza de lideranças nacionais. Na elei- É IMPORTANTE MANTER A
ção de 1989, tivemos número elevado de
candidatos, os nomes mais notáveis do ce- SOCIEDADE ATENTA À POLÍTICA,
nário político nacional, incluindo Roberto
Freire. E o que temos hoje? A pobreza não PORQUE É ONDE SE CONSTROEM
bém ao setor empresarial, ao setor acadê- OS CONSENSOS, PELO DEBATE,
é só de líderes políticos; estende-se tam-
mico. Não temos nada. PELO INTERCÂMBIO DE IDEIAS, A
Diante desse vazio de líderes, não se sur-
preende o crescimento dos extremismos, COLUNA VERTEBRAL DO REGIME
segundo a máxima do futebol de que es-
paços vazios têm de ser ocupados. Daí a DEMOCRÁTICO
expansão do extremismo bolsonarista, esse
circo dos horrores que a gente vê todo san- “
to dia. O desafio é, portanto, a conquista
dos espaços, fazer política democrática.
Mas isso não é fácil, demora e não se resol- Trata-se de uma geração nem-nem, que
ve em um processo eleitoral. É algo de mé- nem trabalha nem estuda, diante da au-
dio prazo. Não foi feito no passado. Então, sência do Estado na criação de empregos,
vamos ver se ao menos consigamos fazer na escola, na saúde, no posto de saúde, na
neste processo eleitoral de 2022. segurança pública, na água tratada.
A presença hoje do conflito religioso polí-
RPD: Existe hoje, em alguns setores da tico é nova na história do Brasil. Nunca tive-
sociedade, certa perplexidade quanto à mos isso: a presença do catolicismo nunca
percepção popular do conceito de demo- colocou o dilema catolicismo versus política.
cracia, como se fosse difícil para muitos al- Quando houve uma tentativa na eleição de
cançar a complexidade dos valores envolvi- 1933 de criar a liga eleitoral católica, não
dos na questão. Isso estaria na base de sua teve relevância eleitoral alguma. Foi coisa
afirmação do baixo nível político do elei- do Tristão de Ataíde, do Alceu de Amoroso
torado brasileiro, que dificulta a arrancada Lima. Hoje, não tem essa novidade, e temos
cívica da sociedade? de tentar entendê-la para superá-la. Os
partidos políticos não conseguem compre-
MV: Estamos vivendo um desafio que ender o fenômeno. Ao contrário, passam a
afeta o processo de conhecimento sobre mão na cabeça do pastor, e todos os parti-
nosso próprio país. E, se não sabemos em dos, sem exceção, vão beijar a mão do pas-
que país vivemos, como será possível fazer tor, do dono da franquia religiosa, a cada
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