Page 23 - Revista Política Democrática nº 42 - Abril/2022
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MARCO ANTONIO VILLA - ENTREVISTA ESPECIAL
“ antecipadas por Isaac Deustcher, a Rússia
provavelmente vai passar a depender da
China, que, a médio prazo, deverá se trans-
formar em uma potência militar superior à
O DESGASTE POLÍTICO DE
grave levando-se em conta o isolamento a
PUTIN AUMENTOU EM VISTA Rússia, situação que será particularmente
que o mundo ocidental, o Japão e outras
DA RESISTÊNCIA HEROICA nações asiáticas estarão relegando o regime
de Moscou no cenário internacional.
Quando terminará a guerra? Não sabe-
DOS UCRANIANOS ÀS FORÇAS mos, mas é muito provável que ocorram
SUPERIORES EM ARMAS, alguns dos seguintes fenômenos. A Ucrâ-
nia será neutralizada, não poderá entrar na
TECNOLOGIA E EFETIVOS, E, AO OTAN, mas deverá ser admitida na CE. Terá
de reconhecer a incorporação pela Rússia da
QUE TUDO INDICA, OS RISCOS DE Crimeia. Vai gastar bilhões para reconstruir
“ autocracia do regime russo conseguirá seguir
o país, contando, decerto, com a ajuda de
UM CONFLITO MUNDIAL países ocidentais. Putin vai se declarar vence-
dor, mas terá de sair do país. Nem mesmo a
bancando essa aventura militar malsucedida.
De qualquer forma, 24 de fevereiro é uma
os combates nas regiões separatistas. O fato ruptura no contexto das relações internacio-
é que a invasão ocorreu, sem uma decla- nais. Como se costurarão as articulações
ração formal de guerra, porque até hoje o dessa nova realidade. Qual será o papel
governo russo se recusa reconhecer a exis- do Brasil? Isso é uma questão importante.
tência de uma guerra. Como o Brasil vai se posicionar? O Brasil está
Acontece que a invasão foi mal calcula- nos BRICS, mas, se olharmos para os BRICS,
da. Não se confirmou o pretenso passeio de quem cresce no BRICS são o I, de Índia e o
no máximo sete dias para derrubar o go- C, da China, já que o B, o R e nem mesmo
verno de Kiev. O que se viu foi a ineficácia o S, da África do Sul, parecem estacionados.
militar do exército russo, para a surpresa – e Como vai ficar isso, como vai ser o mun-
alívio – de muitos, e, mais importante a in- do? Realmente, nós estamos sendo teste-
dignação coletiva e frontal da comunidade munhas presenciais de um novo momento
de nações, sobretudo dos Estados Unidos da história, de uma nova recomposição de
e membros da Comunidade Europeia, cir- forças. Quem imaginaria uma guerra, uma
cunstância que gerou particular tensão in- guerra mesmo de um país contra outro na
ternacional, ante a possível ampliação do Europa depois de 45? Alguém vai mencio-
conflito, envolvendo forças da OTAN. nar a Iugoslávia? Mas a Iugoslávia foi uma
O desgaste político de Putin aumentou história de secessão, uma divisão de mais
em vista da resistência heroica dos ucra- de meia dúzia de países. Não se aplica, por-
nianos às forças superiores em armas, tec- tanto. Ninguém imaginava que isso fosse
nologia e efetivos, e, ao que tudo indica, ocorrer, e ocorreu. Na verdade, ninguém
os riscos de um conflito mundial, até mes- conseguiu antever a queda do muro de
mo com o uso de armas nucleares, pare- Berlim e o fim da União Soviética. Os fa-
cem não ser iminentes. mosos analistas internacionais erraram nas
Vive-se, atualmente, situação complica- previsões. Recentemente, falaram do fim
da por conta dos efeitos sobre a economia da história, do fim da globalização, do fim
mundial das sanções impostas à Rússia pelos do nacionalismo, e o mundo nunca foi tão
EUA e a Comissão Europeia (CE). A meu ver, nacionalista como o que estamos vivendo
o governo brasileiro se saiu muito mal nessa na terceira década do século 21.
situação. Não parece estar acompanhando
o rearranjo geopolítico que a guerra impli- SAIBA MAIS SOBRE O ENTREVISTADO
cará. A provável derrota política e econô-
mica da Rússia terá graves consequências. MARCO ANTONIO VILLA
Como uma das possíveis ironias da história
ABRIL 2022 REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 23