Page 11 - Política Democrática
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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA LUIZ WERNECK VIANNA - ENTREVISTA 9
o STF se deixou dividir por razões idios- RPD - E agora? que aprender por eles mesmos, como
sincráticas de muitos dos seus Ministros, LWV - Estamos dependendo das nós aprendemos, quando o país, em um
perdendo a forte legitimidade com que novas gerações, que nós não conse- certo dia de agosto de 1954, foi dormir
sempre contou perante a opinião pública guimos formar. Porque não há astúcia de um jeito e, com o suicídio de Vargas,
– um legado de algumas grandes perso- politiqueira ou eleitoral que nos tire des- acordou de outro. Eu e muitos da minha
nalidades que passaram e ainda passam se pântano. Não há esquerda e, sendo geração mudamos com a difusão da sua
por ele. Creio que parte desse patrimô- assim, como vamos operar? Vamos nos carta testamento no rádio, um dia intei-
nio tem sido comprometido por algumas apegar aos velhos valores, cada um de ro, produzindo um impacto intelectual,
controvertidas decisões recentes. Como nós impondo seus próprios limites – moral, político muito grande sobre cada
manter o equilíbrio precário da nossa “daqui não passo”, “não aceito isso”? um de nós.
política e da nossa sociedade sem um Mas como nossa sociedade é muito Enfim, não dá para adivinhar o mun-
Judiciário coeso e respeitado por todos? complexa, muito desigual e culturalmen- do, o mundo é assim mesmo, cheio de
Minha presunção é de que há proces- te muito ativa, muito interessante – o imprevistos, e nossa espécie tem sabi-
sos reais, inamovíveis, irremovíveis que que se manifesta na música popular, no do introduzir e defender as ideias de
vêm trabalhando na nossa sociedade; e carnaval, nas estratégias informais para paz, de solidariedade, de cooperação,
que isso, no limite, propicia um avan- ganhar a vida –, é esperar e ajudar, no ela tem sabido se proteger... Porém,
ço continuo da democracia. É claro que que for possível, para que as gerações agora, círculos ferozes decidiram que
não fomos apenas nós que percebemos o mundo, do jeito que está, do jeito
isso: o grupo que hoje se encontra no que caminha aceleradamente na dire-
poder percebeu também e decidiu que ção de uma vida com mais liberdade e
esse avanço precisava ser interrompido. “INDEPENDENTEMENTE justiça, não vale à pena e assumem a
Quando se deixou de valorizar o centro DA CONSCIÊNCIA, HÁ possibilidade de um gran finale catas-
político, abriu-se a oportunidade para UMA REVOLUÇÃO QUE trófico. Faz lembrar o filme do Stanley
que prosperasse o argumento de que TRANSCORRE NAS Kubrick, Dr. Fantástico, que leva nosso
os caminhos da democracia estavam CAMADAS MAIS FUNDAS planeta à destruição por uma heca-
livres porque a sociedade iria rejeitar DAS ESTRUTURAS tombe nuclear. Essa luta encarniçada
Bolsonaro, essa figura bizarra na políti- SOCIAIS E QUE NÃO TEM por hegemonia – EUA, China, com a
ca. Esse argumento, evidentemente, foi VOLTA.” Rússia presente nisso – bem pode ser
para o espaço, porque a sociedade está o sinal de que iniciamos o ingresso em
muito incomodada com as denúncias uma era de confrontos derradeiros,
de corrupção, com a desordem pública, uma luta dos historicamente derrota-
a criminalidade em cidades como Forta- dos contra os avanços da democracia
leza, Rio de Janeiro. Tudo isso assusta. que estão vindo encontrem motivação e dos direitos. Trump e outros ferozes
No Rio, muito mais do que no Ceará, para recuperar o que há de melhor na sequazes são capazes de tudo para
é impressionante o papel das milícias, nossa história, e a levem à frente, pois defender suas posições: por isso vive-
a disputa de territórios com o Estado, o que está aí não é capaz de fazer isso. mos em sociedades de risco, em um
e agora a retórica do novo governador, RPD - O que temos a nosso favor, tempo de grandes ameaças, não só
uma retórica de morte aos criminosos, como um país com uma democracia as naturais, mas também as sociais, as
que só intensifica o clima de guerra jovem ainda? políticas, as bélicas. Aliás, desse ângulo
social. Portanto, embora esses homens LWV - A nosso favor está a riquís- mais acanhado do subcontinente em
tenham ganhado no voto, seu progra- sima herança que recebemos de um que vivemos, a questão da Venezuela
ma de combater os males sociais com Jorge Amado, um Graciliano Ramos, pode se complicar em termos militares.
caça, morte, mais violência... isso não um Guimarães Rosa, que sempre bus- E a América Latina, território antes bas-
anima muito a sociedade, e torna difícil caram novos caminhos, criando as tante aprazível do ponto de vista da con-
a vida dos novos governantes. Se para bases da moderna cultura brasileira. Já vivência entre Estados nacionais, pode
eles a coisa está difícil, para nós está a preocupação do lado de lá é refrear, ser contaminada pelo que foi a velha
dificílima, sem estadistas, sem política, é conter os processos que vêm atuan- doença europeia de guerras por domínio
sem uma esquerda inovadora, porque o do até agora como forças da natureza, e por disputas territoriais, que são esti-
que havia de inovação na minha gera- embora com pouca reflexividade. É pre- muladas do centro politicamente domi-
ção foi neutralizado, posto à margem, ciso trabalhar com esse material bruto. nante, com efeitos perversos na nossa
restando uma esquerda sem imagina- Afinal, não é difícil descobrir, entre os parte do mundo. Nunca foi tão necessá-
ção, incapaz de entender o país, de jovens, centelhas brilhantes. Não há rio como agora, começar as análises por
projetar um caminho novo. caminho a ensinar para eles; eles têm temas internacionais.