Page 23 - Política Democratica
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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA CLEOMAR ALMEIDA - REPORTAGEM 21
Em Brasília, crianças e adolescentes ter o equilíbrio entre a lei da oferta e – Aqui, no DF, a situação é um pouco
dormem até em becos ou mocós – os da procura, considerando o número de pior, porque muita gente vem para cá
esconderijos onde dormem – zonas de pessoas que movimentam a economia achando que vai conseguir emprego,
intenso tráfico de drogas. O acesso a marginalizada. mas o governo não tem equipes sufi-
esses locais é controlado por eles pró- – Para cá só pode vir gente de con- cientes para nos atender. Estou vivendo
prios. A dependência química, porém, fiança, porque o cliente deixa o carro e nas ruas de Brasília desde o começo do
não é regra entre todos. Grande parte a chave no início da manhã e só volta ano. Não tenho para onde ir, lamenta
das pessoas em situação de rua passa o para buscar o veículo no final do dia. Márcio Vinícius.
dia trabalhando. Cobra, em média, R$ Por mais que muita gente pense que As discussões com a família por desa-
20 reais para lavar um veículo nos esta- podemos roubar, existem muitas pesso- vença religiosa levaram Márcio Vinícius
cionamentos de prédios públicos para as que confiam em nosso trabalho, diz a sair de sua cidade natal. Passou por
conseguir uma renda num país em que Antônio Oliveira (28). Goiânia, de onde seguiu para a capital
existem quase 13 milhões de desem- do país. Longe da filha (18), dos pais e
pregados, segundo o Instituto Brasilei- das duas irmãs, ele procura ajuda para
ro de Geografia e Estatística (IBGE). “A VIGILÂNCIA prosseguir e não se tornar “um caso
– Aqui tem muito doutor de gra- SOCIOASSISTENCIAL DEVERIA de vergonha”, como afirma, peran-
vata que ajuda, mas tem muita gente VIR ACOMPANHADA DE te os parentes. Com um papelão, ele
UM MAIOR ESFORÇO DE
comum também. Nem sempre recebo INCORPORAÇÃO DESTE GRUPO improvisa um canto para dormir, todas
o valor que peço. Na maioria das vezes, NO CADASTRO ÚNICO PARA as noites, em uma calçada perto de um
só ganho umas moedas mesmo, diz PROGRAMAS SOCIAIS, DE centro comercial e de entretenimento
Roberto de Souza (37 anos). FORMA QUE SE AMPLIASSE no Plano Piloto.
A mulher dele, Maria Lúcia de Sou- O ACESSO DA POPULAÇÃO Professora da Universidade de Brasí-
za (35), e os dois filhos do casal, um EM SITUAÇÃO DE RUA ÀS lia (UnB), a socióloga Maria Salete Kern
de 9 e outro de 7 anos de idade, ven- POLÍTICAS PÚBLICAS.” Machado, que coordenou a única pes-
dem balas de goma e amendoim no quisa sobre pessoas em situação de rua
semáforo. Poucos segundos antes de MARCO ANTONIO CARVALHO no DF, afirma que a falta de atendimen-
o sinal ficar verde, correm para reco- ESPECIALISTA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO to social eficaz é um problema que ain-
GOVERNAMENTAL E AUTOR DO ESTUDO DO IPEA
lher o dinheiro ou os produtos emba- da persiste nos dias de hoje. Para ela, o
lados em pequenos sacos plásticos que descaso do poder público só aumenta
dependuram nos retrovisores dos car- Ele afirma que “diversos grupos de a situação de vulnerabilidade de quem
ros. O homem e a mulher dizem que rua” já o acolheram desde que saiu de vive nos espaços públicos.
trabalhavam antes como vendedores casa em novembro do ano passado, – Os abrigos são inseguros, e muitos
em Ceilândia, onde nasceram, a 22 quando se separou da mulher (26) e indivíduos acolhidos sofrem violência,
quilômetros de Brasília. saiu do barracão onde morava no fundo abusos e maus-tratos dentro deles. A
– Perdemos o emprego na mesma da residência da família dela. Com rela- questão de quem vive em situação de
época, há dois anos. Ver nossos filhos ção totalmente rompida com seus fami- rua é estrutural da sociedade. Deveria
chorando de fome doía na alma. Não liares, moradores de Brasília, ele, que haver locais que abrigassem, de forma
recebemos bolsa aluguel, e o dinheiro já trabalhou como serralheiro, diz que mais convidativa, essas pessoas, sugere
que sobra é para comprar mercadoria ficou em um abrigo durante um mês na Maria Salete.
e comida, por isso a rua é nossa única capital federal, mas, conforme diz, não O coordenador do Movimento
alternativa. A gente não tem conforto, se adequou por ter “muita gente dife- Nacional de Meninos e Meninas de
mas não passa fome. À noite, se estiver rente” em um mesmo quarto. Rua (MNMMR), o psicólogo e educador
muito frio, levantamos nossa barraca Na população em situação de rua, social Eduardo Mota, diz que o aumen-
com lençol, afirma Maria Lúcia. há também aqueles que ocupam o dia to do desemprego no país deve exigir
Perto do Palácio do Buriti, outros catando papelão para revenda. É o caso do poder público muito mais investi-
homens em situação de rua se organi- do ex-auxiliar de serviços gerais Márcio mento em políticas de acolhimento, já
zam em uma fila que eles próprios con- Vinícius Peixoto (37). Ele conta que, na que, ressalta, esse problema aumenta a
trolam para atuarem no lava jato criado adolescência, seu sonho era ser policial chance de pessoas desempregadas irem
há anos no estacionamento público. federal. Concluiu o ensino médio, mas para as ruas.
Cada um tem a sua vez de assumir a não entrou na faculdade. Foi morar na
mangueira de água. Gente nova só tem rua após perder o emprego em Belém,
chance de entrar no grupo se for indi- onde nasceu. Mudou-se para Brasília ASSISTA ÀS ENTREVISTAS
cada por um veterano. Tudo para man- em janeiro deste ano.