Page 20 - Política Democratica
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18 DEPOIS DAS URNAS - ALBERTO AGGIO REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA
Depois das urnas, oposição
democrática
Com a vitória de Bolsonaro, a direita emergiu travestida de “populismo iliberal”.
Novo presidente é um personagem, a um só tempo, pragmático e midiático
Jair Bolsonaro (PSL) venceu o segun- anticomunista obtusa e anacrônica, uma retórica instrumental de caráter
do turno das eleições presidenciais com levando-se em conta que o fim do pentecostal do que propriamente fas-
mais de 10 milhões de votos de diferen- “comunismo histórico” carrega quase cista. Tudo isso não é pouco para nos
ça contra Fernando Haddad (PT). Não 30 anos nas costas, não havendo sina- alertar quanto aos riscos que corre a
foi uma vitória esmagadora, mas foi in- lização alguma de seu reaparecimento democracia. Contudo, a vitória do pre-
contestável e, sobretudo, legítima. Em sidente eleito não deve ser vista como
janeiro de 2019, com a alternância de- retorno ou condenação antecipada do
mocrática de poder, prevista na Cons- país aos “anos de chumbo”.
tituição, Bolsonaro assumirá o posto Foto: Hercídia Coelho Na montagem do governo, com
maior da República. uma reforma administrativa em curso
Na democracia, a quem vence cabe a que reduz o número de Ministérios,
tarefa de governar; a quem perde, fazer Bolsonaro parece visar mais a compo-
oposição. A vitória eleitoral do ex-depu- sição de um quadro de referência de
tado federal não significa a imposição de mudanças – no qual estão indicativos
uma única força política ao país, numa neoliberais, mas também da democra-
visão simplista de alguns de seus apoia- cia política –, do que a emulação de
dores, segundo a qual o vencedor “leva um líder que prepara a instalação de
tudo”. Os pilares da democracia brasilei- um regime fascista ou de uma ditadu-
ra, assentados na Constituição de 1988, ra, mesmo que seja de forma gradual.
continuam a dar os parâmetros para Será certamente um governo de direi-
nossa convivência política e social. ta porque essencialmente apela à or-
Não há dúvida, contudo, que essa dem de maneira ameaçadora e quase
vitória nas eleições de 2018 representa brutal, pensa mudanças econômicas a
uma mudança política significativa na partir da régua neoliberal, com poucas
história recente do país. Fala-se do esgo- ou nenhuma concessão de caráter so-
tamento ou do final de um período da cial, além de ser regressivo, restritivo e
política brasileira e do advento de uma anacrônico no plano cultural e ambien-
nova fase. Superando as forças políticas tal, sem falarmos no plano comunica-
que lideraram a democratização, o pre- cional, até agora o mais tenebroso no
sidente eleito traz novamente a direita seu comportamento.
ao poder depois de décadas em que ela Uma das tarefas essenciais da opo-
havia sido alijada, com o fim da ditadu- sição democrática – que precisa ainda
ra militar. O resultado eleitoral em seu ser construída e articulada – é agir para
conjunto representou a condenação das evitar que o estilo (de um violentismo
oligarquias políticas que controlaram o ao redor do mundo. Nessa eleição, a performático) e as inclinações autoritá-
poder nos últimos anos e o rechaço ao direita emergiu travestida de “popu- rias do presidente eleito e de seu entor-
conluio entre a “coisa pública” e os inte- lismo iliberal”, seguindo a vaga pla- no se transformem em regime político.
resses dos grandes grupos econômicos. netária, além de expressar inclinações Os atores políticos que se perfilam no
A direita que se expressa por Bolso- reacionárias e autoritárias. O novo campo oposicionista terão árdua tarefa
naro não é a mesma dos idos de 1964 presidente é um personagem, a um só pela frente, em particular a esquerda
e nem poderia ser. Permanece nela, é tempo, pragmático e midiático – sem que precisará se reconstruir, uma vez
verdade, certo ranço e uma retórica ser carismático –, que se utiliza mais de que a linguagem da antipolítica que