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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                             VINÍCIUS MÜLLER - AMPLIAÇÃO DA DESIGUALDADE  17



        Ampliação da desigualdade não



        é um problema econômico





          No fim do século passado, quando a  ampliou  a  qualidade  de  vida  de  enor-  como as financeiras, e aquelas menos
        combinação entre o fenômeno da glo-  mes contingentes populacionais, e que  globalizadas, como prestação de servi-
        balização e a retomada dos valores libe-  hoje a tese de um imperialismo norte-a-  ços em regiões interioranas e mais dis-
        rais se arvorava como o modelo único,  mericano parece fruto da ingenuidade  tantes dos grandes centros urbanos. E,
        duas posições antagônicas se estabele-  da juventude, não significam a con-  por fim, mas não menos importante, a
        ceram. Uma delas dizia que a abertura  firmação de que tal processo ocorreu  exacerbação de alguns dos valores mais
        dos mercados nacionais, a maior veloci-  sem efeitos colaterais que hoje batem  simbólicos e caros da formação do país:
        dade nas trocas de mercadorias e moe-  à nossa porta. O mais importante entre  a meritocracia, a ideia de self made man
        das, assim como a formação de cadeias  eles é a ampliação  da desigualdade.  de que os ‘vencedores levam tudo’.
        produtivas globais, garantiriam a amplia-  Não aquela que os críticos da globaliza-  Esta progressiva separação torna o
        ção da riqueza e melhoria significativa  ção imaginavam que ocorreria entre os  problema histórico. Em fins do século
        no padrão de vida de pessoas espalha-  países. Mas, outra, interna aos países e  XIX, a ascensão do magnata do petró-
        das pelo globo. Outra, contrária, aposta-  que criou uma considerável divisão em  leo John Rockefeller levantou suspeitas
        va na hipótese de que a globalização em  sociedades como a norte-americana.  que, na terra das oportunidades, quem
        sua vertente neoliberal nada mais era do   Por um tempo, um argumento que  as aproveitava primeiro atrapalhava que
        que retomada do imperialismo do século  mitigava o avanço da desigualdade afir-  outros, depois, fossem beneficiados.
        XIX, agora liderado pelo EUA. Os resulta-  mava que ‘é melhor viver em um país  Hoje, em pleno século XXI, um univer-
        dos, depois de 30 anos, não cabem em  desigual e rico do que em um igualitá-  sitário negro na Califórnia questiona o
        slogans tão simples assim.          rio e pobre’. Tem sentido, até porque a  uso da expressão ‘terra das oportunida-
          No plano geral, a produção e a circu-  riqueza quando cresce beneficia a todos,  des’ por um professor, alegando que ela
        lação de riquezas aumentaram. Grupos  mesmo que em níveis diferentes. O  é discriminatória. Enquanto isso, o país
        populacionais imensos foram bene-   exercício retórico era simples: em uma  povoado pelos imigrantes elege um
        ficiados pela ampliação do mercado,  sociedade na qual vive Bill Gates, a ren-  presidente que fala em construir muros
        descentralização produtiva e aumento  da per capita cresce, mas a desigualdade  nas fronteiras.
        da produtividade e da riqueza. A urba-  também. E, certamente, é melhor viver   A globalização não era, como pen-
        nização de contingentes populacio-  numa sociedade que tem a oportunida-  sávamos  há  mais  de  vinte  anos,  um
        nais maiúsculos na China e na Índia, a  de de ampliar sua produção de riqueza  novo imperialismo encabeçado pelos
        transferência de partes significativas da  a partir do uso das ferramentas criadas  norte-americanos.  Mas,  fenômeno
        produção industrial para países como o  pelo fundador da Microsoft. O problema  mais complexo que promoveu aumento
        Vietnã e o aumento da qualidade de vida  é que tamanha desigualdade começa a  da riqueza na mesma medida em que
        em países do leste europeu são visíveis.  impactar em outras questões que fogem  desarticulou antigas estruturas produ-
        Em uma constatação antiintuitiva, os  do escopo deste argumento.        tivas e sociais. As novas clivagens pro-
        países que mais ganharam com a globa-  De volta à sociedade norte-ame-  duzidas pela globalização na sociedade
        lização não foram aqueles que, no início  ricana, a ampliação da desigualdade  norte-americana não são exclusivamen-
        do século, pareciam ser os impositores  ocorreu na esteira dos efeitos colate-  te econômicas. Elas estão relacionadas
        desta ordem. Ou seja, o que parecia ser  rais da globalização: transferência de  ao questionamento que parte da socie-
        uma imposição voltada à abertura de  partes dos empregos de classe média  dade faz em relação aos valores que
        mercado mundial aos EUA, como um  e de baixa complexidade tecnológica a  construíram aquela nação. De um lado
        ‘neoimperialismo’, não se confirmou na  países como Índia e México; distancia-  políticas identitárias, de outro, xenofo-
        medida em que tal processo produziu  mento progressivo entre aqueles vincu-  bia. Entre eles um hiato. É neste espaço
        mais efeitos benéficos, ou que foram  lados às atividades mais ‘globalizadas’,  que mora o diabo.
        proporcionalmente maiores, em países
        como Chile, Coréia do Sul, Austrália e
        Lituânia do que nos EUA.                                          SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR:
          A constatação de que  a globaliza-                                 VINÍCIUS MÜLLER
        ção, de fato, produziu mais riqueza e
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