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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                                           SÉRGIO ABRANCHES - ENTREVISTA  13




        florescimento espetacular nos campos  que ainda não se conseguem detectar,  parecida com a dos bolsonaristas, fa-
        cultural, social e econômico nas favelas.  tudo isso aparece, primeiro, como crise.  zendo ameaça moral de desqualifica-
        Acho que ninguém consegue entender  Acho que, à medida que a sociedade  ção etc. Só que eles não estavam ar-
        a juventude favelada brasileira que está  tome consciência disso e que as redes  mados, e os bolsonaristas hoje estão.
        circunscrita nessas comunidades fora  passem a ser um fator decisivo na com-  Outra diferença é que o grau de
        do asfalto de São Paulo, Rio, Bahia se  posição da governança, vai-se investir  ameaça física aumentou, e isso bana-
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        não frequentar um  Slam , se não vir  mais tanto no capital intelectual como  lizou a palavra  autoritária,  banalizou
        aquela explosão primal de atividade de  nos procedimentos de tecnologias, para  a palavra fascista, tem banalizado os
        poesia saindo  das entranhas daquelas  assumir controle desse fenômeno, com  rótulos, transformando-os em rótulos
        pessoas,  carregada  de  emoções  que,  o que a política mudará: a digitalização  vazios, mas cheios de carga emocio-
        às vezes, sacodem de forma definitiva  da política viabilizará mecanismos de  nal. Nós subvertemos, empobrecemos
        raiva, indignação, ódio, medo, tudo  controle social, hoje não disponíveis no  o vocabulário político, que torna cida-
        misturado.  Essas  pessoas  podem  ser  mundo analógico.                dãos politicamente corretos;  desde-
        facilmente  enganadas  ideologicamen-                                   nhamos as categorias, que colocavam
        te com uma mensagem também muito                                        as coisas em seus devidos lugares. As
        primária, que garimpa essas emoções   “NÃO É POSSÍVEL                   ideologias perderam força,  e nós es-
        muito brutas, pouco lapidadas, mas de                                   tamos sem palavras, literalmente sem
        extraordinárias inteligência e criativida-  CONTINUAR                   palavras. O discurso recente nas elei-
        de. Mas não se aceitam mais discursos   FAZENDO POLÍTICA                ções norte-americanos centrava-se em
        e argumentos tradicionais, ainda em-  INTEIRAMENTE                      frases do tipo: “Se quiser mais drogas,
        pregados pela esquerda. É um negócio   ANALÓGICA EM UMA                 vote nos democratas”; “Se quiser essa
        chocante o que se vê no Slam.           SOCIEDADE CADA                  draga de imigrantes tomando seu em-
                                              VEZ MAIS DO MUNDO                 prego, vote democrata. Está faltando
        REDES SOCIAIS                         DIGITAL”                          densidade na representação. Quem
                                                                                usa o menor número de palavras pos-
           As redes sociais por primeira vez ti-                                síveis com a maior carga de emocional
        veram peso significativo  em uma  elei-                                 possível, leva.
        ção. Isso era previsível, não desta for- POLARIZAÇÃO
        ma, mas,  como escrevi em  A  Era do                                    PODER DA AGENDA
        Imprevisto, a política, até agora, conti-  Não acredito que todos os eleito-
        nua analógica em uma sociedade que  res do Bolsonaro sejam autoritários   Analisei com muito detalhe todos
        já se digitalizou demais. Não é possível  ou fascistas. Nós ainda não nos pode-  os governos da terceira república, do
        continuar fazendo política  assim. A  mos debruçar sobre o tipo de polari-  Collor a Dilma, e todos eles foram ca-
        cada momento, cresce a diferença en-  zação que houve no Brasil. Comecei   pazes de aprovar o que eles quiseram,
        tre o que se passa no mundo digital,  a estudar o assunto, mas  ainda não   o que eles pediram ao congresso nos
        na cyber-esfera e o que se passa na só-  estou seguro. Nos Estados Unidos, por   primeiros meses de governo. O Collor
        cio-esfera. Vimos embrião disso nessa  exemplo, os sociólogos e psicólogos   conseguiu  aprovar  o  plano  absurdo
        eleição. Não sei se ficará para sempre,  políticos têm falado muito sobre uma   dele, de confisco da  poupança,  com-
        mas toda quebra de paradigma, toda  polarização, que chamam de  “afeti-  pletamente ilegal e inconstitucional.
        ruptura de padrão, toda transição revo-  va”, e eu chamo de “hooliganismo”   Acho assim que, desde ponto de vista
        lucionária desse tipo, isto é, de sair de  político. É como discussão em futebol:   da revolução histórica dos governos da
        uma campanha estritamente analógica  “Eu amo nós e detesto eles’. Na base   terceira república, é razoável esperar
        para uma campanha dominantemente  do: “Não me venha falar do meu Fla-   que Bolsonaro tenha sucesso legislati-
        digital, é uma transição que se manifes-  mengo... não ouço críticas...” É a ló-  vo logo no início. O presidente tem um
        ta, primeiro, como crise, antes de ama-  gica da polarização, capta basicamen-  poder de agenda brutal: é ele que de-
        durecer. O uso não  transparente das  te emoções, e a ideologia se esvazia   fine a agenda do legislativo, por conta
        redes sociais, as fake news, as formas  completamente. Passa-se, então, a   de mecanismos da constituição, como
        de financiamento legal de campanha  usar os rótulos políticos de forma pu-  a urgência, e da própria força da pre-
                                            ramente afetiva e emocional.        sidência na gestão da boca do caixa
        1 O Slam é um campeonato de poesia no qual os poe-
        tas leem ou recitam um trabalho autorial e são avalia-  A outra parte é a seguinte: nós ba-  do orçamento. Se  Bolsonaro  começar
        dos por um júri formado por membros da plateia. Essa   nalizamos a discussão política sobre o   basicamente com a agenda de muito
        modalidade artística e performática foi criada nos anos
        1980 em Chicago, nos Estados Unidos, ao mesmo tem-  PT, que usou sempre uma estratégia   retrocesso, muito conservadora, talvez
        po em que  a cultura hip hop tomava forma, mas só
        chegou ao Brasil mais tarde, nos anos 2000.  de premissa digital patrulheira, muito   produza divisões importantes. Acho
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