Page 11 - Política Democrática
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8 ENTREVISTA - RAUL JUNGMANN REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA RAUL JUNGMANN - ENTREVISTA 9
seja o tráfico de drogas – vai chegar a milícia se compõe de quadros da ati- algo muito mais amplo”. Aqui cabe
ao controle de um território com uma va ou da reserva polícia, conclui-se que outro parêntese. No dia seguinte à mor- Foto: Mcamg Abr
população entre 1 milhão e meio ou 1 essa polícia é permeada pela política. E te de Marielle, reunimo-nos eu, Raquel,
milhão e 700 mil cariocas. Isso quer dizer estruturas policiais, estruturas militares, as autoridades militares envolvidas na
o quê? Que uma parte significativa da não convivem com política, política no intervenção no Rio o procurador do
população do Rio de Janeiro vive sem sentido de seu mérito, no de sua dis- Ministério Público estadual, Rivaldo Bar-
direitos e garantias condicionais, sob um ciplina, de sua hierarquia. Quando a bosa, então o chefe da polícia, ocasião
estado paralelo que, controlando o terri- política entra na polícia, na segurança em que discutimos muitos aspectos, em
tório, controla o voto; que, controlando ou nos estamentos militares, o caso da especial a possibilidade de acionar-se o
o voto, elege seus representantes, seus Venezuela, por exemplo, destroem-se as chamado Incidente de Deslocamento
aliados, no Parlamento municipal, esta- instituições, cuja base, a pedra angular, de Competência, vale dizer a federa-
dual e, mesmo, federal. Isso é o que eu são a hierarquia e disciplina, para não lização da investigação, com base na
chamo de coração das trevas. Por quê? mencionar o mérito que tem de preva- emenda constitucional 45, prevista na
Dado o presidencialismo de coalizão no lecer na escada da progressão. Afrouxa- eventualidade de crimes contra direitos
Brasil, onde as maiorias de formam por dos os laços da disciplina, a corrupção, humanos de grande repercussão. Come-
loteamento de cargos, passa-se a ter infelizmente, passa a correr solta, com os çaram, então, os estudos exigidos para
representantes do crime organizado das políticos co-optados influindo na com- tal medida. Aí veio a grande surpresa:
milícias indicando nomes para cargos posição das instituições estaduais. O Rio o Ministério Público do Rio de Janeiro
dentro do governo, inclusive, no cora- de Janeiro não tem forças nem energia entrou no Conselho Nacional de Minis-
ção do Estado, vale dizer nas forças de para romper com isso. Minha esperan- tério Público com uma representação
segurança. Coração das trevas, um eixo, ça, a minha expectativa, é que essa força contra a federalização, alegando que
um elo, e, a partir daí, outros mais se tarefa da Polícia Federal, criada pela Pro- feriria a autonomia do Ministério Públi-
encadeiam. Hoje, no Rio de Janeiro, essa curadora Geral para investigar a investi- co e, obviamente, do Estado. Resultado:
aliança atua em uma parte da política e gação, cumpra com seu papel. bloqueia-se a federalização.
dos políticos, pela representação direta
do crime organizado ou das milícias. Não RD: Teria sido maculado
esquecer que as milícias vêm do Estado, o Ministério Público pela
têm, portando, certa noção do que é a “DADO O máquina? Raul Jungmann: “Voltei à imprensa para registrar que, apesar de declararem que a Polícia Federal estava participando das investigações, tal não era o caso.
política. Em um primeiro momento, o PRESIDENCIALISMO DE Insistiam no controle estadual do processo”
domínio decorrente do controle do tráfi- COALIZÃO NO BRASIL, RJ: Não tenho como dizer isso. Apenas
co de droga permitia a cessão, o aluguel, ONDE AS MAIORIAS registro a questão. Essa foi a primeira vez uma equipe selecionada e preparada. desdisse o que disse –, que declara ter RD: Em troca de?
de espaços. O candidato aceitava pagar SE FORMAM POR em que fomos bloqueados. Quando o Querem? Nós entramos”. A resposta foi ouvido conversa apontando o Siciliano
para buscar apoios. Só que as milícias LOTEAMENTO DE caso Marielle chega a seis meses e nada clara: “Não, de jeito nenhum”. como o mandante do crime. Isso deu RJ: Em troca de resolver mais adian-
deram um passo à frente: “Se tenho o acontece, percebi que chegaríamos ao fim imenso rebu. Depois veio percepção mais te o problema dele, a família etc. Ele
controle do território, tenho o controle CARGOS, PASSA-SE A do governo sob a impressão geral de que RD: Quem respondeu assim? crítica da história. Um desses delegados se nega a fazer isso. A procuradora
do voto”. TER REPRESENTANTES nós estávamos a frente da investigação. É tinha testemunhado contra o Brasão, por manda o depoimento para o Minis-
DO CRIME preciso diz feedback er que determinara à RJ: O Ministério Público e Polícia Civil. exemplo, e outras coisas mais. Orlando tério Público, no Rio de Janeiro. Em
RD: E aí indicam um ORGANIZADO DAS Polícia Federal passar tudo que tivesse de Voltei à imprensa para registrar que, ape- Curicica foi, então, transladado de Ban- seguida, vem um segundo depoimen-
comandante de batalhão, um MILÍCIAS INDICANDO inteligência e de informação para a Polícia sar de declararem que a Polícia Federal gu para a segurança máxima no presídio to, na mesma direção, e que o nome a
delegado. NOMES PARA Civil. Mas isso revelou-se uma via de mão estava participando das investigações, de Moçoró, no Rio Grande do Norte. gente não revela por que essa pessoa
CARGOS DENTRO DO única. Eles não nos chamavam para nada; tal não era o caso. Insistiam no controle Quando lá chega, pede para ser ouvido está no programa de Proteção à Teste-
RJ: Aí é o coração das trevas em nível GOVERNO” a Polícia Federal não participava de nada, estadual do processo, sem a participação pela Procuradoria Federal, pelo Ministé- munha. Diante disso e, de novo, con-
muito mais ampliado, porque inclui a não era chamada para nenhuma reunião, de nenhum agente de fora. Nós conti- rio Público Federal. O diretor do presídio tinuando conversando e discutindo
contravenção, outro aspecto extrema- não tinha feedback. A percepção não só nuávamos a tudo acompanhar. Sempre autoriza que uma subprocuradora tome “O que a gente faz? Como fica essa
mente poderoso no Rio de Janeiro, que, aqui mas também no exterior era a de perguntava ao pessoal da Polícia Federal: o testemunho dele. Foi um testemunho questão?”, a Raquel tem uma ideia
por sua vez, de certa forma, tem a milí- RD: Há solução? que tínhamos responsabilidade com aqui- “E aí, alguma novidade? Andou alguma arrasador: Segundo ele, a polícia não que eu considero realmente brilhante:
cia como sua guarda pretoriana. Há uma lo. Decidi, então, convocar uma coletiva coisa?” Ninguém falava nada, tínhamos investiga nem elucida nenhum crime “Vamos investigar essa investigação,
relação. Uma não se justapõe à outra, RJ: Em minhas conversas com a pro- de imprensa e, à certa altura, disse: “Que- a impressão que eles estavam meio per- referente à contravenção, que a polícia por que é que essa investigação não
mas a contravenção tem evidentemen- curadora Raquel Dodge sobre o caso ro fazer uma oferta ao Rio de Janeiro. A didos, dando voltas. Aí acontece um fato recebe dinheiro, o quanto recebe e que anda?”. É quando ela, com base nes-
te uma projeção, uma relação imbricada Marielle, eu insistia em dizer – com o Polícia Federal, uma das melhores polícias extremamente importante: três delega- o delegado que estava à frente das inves- ses dois depoimentos que me manda
muito forte com as milícias. Além disso, que ela concordava: “Não é só a Mariel- investigativas do mundo, está pronta para dos da Polícia Federal, acompanhado tigações foi à cela dele e propôs que ele para eu passar à Polícia Federal, cria
tem as polícias, que é a nível estadual le. A Marielle é fundamental desvendar, assumir a investigação do caso Marielle. pelo Antonio Werneck do Globo, levam assumisse o crime e responsabilizasse o a força tarefa que tem a função de
a força concentrada do Estado. Como mas ela pode ser o fio da meada para Não só está pronta, mas também tem uma testemunha, o Ferreirinha – que já Siciliano por ser o mandante. investigar a investigação.