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12  A NARRATIVA DA LIBERDADE - AGGIO  REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA  REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA  AGGIO - A NARRATIVA DA LIBERDADE  13


 A narrativa da    escola havia sido palco de manifestações  aquela situação fazia parte do universo  motivo – aprovou a apresentação de “O
        secundaristas em 1968 e, por essa razão,  individual  e  das  expectativas  daqueles  julgamento de Peter Zenger”. Foge-me à
                                                                                memória a presença do Capitão-Diretor
                                            jovens da Penha de França, como tam-
        estava sob intervenção militar. Sua dire-
 liberdade venceu  ção foi substituída e estava a cargo de um  bém era conhecido o bairro. Começa-  em meio à plateia.
        capitão do Exército. Infelizmente não me  mos a ensaiar, quando veio a noticia.
                                                                                  Foi uma reviravolta inesperada. Aque-
        recordo mais o nome dele.           Depois de ler o texto, o Capitão-Diretor  les jovens da periferia de São Paulo, em
          Já em 1970, mesmo sob intervenção,  vetou a apresentação da peça. Alega-  1971, haviam sido impedidos de ence-
 Cinquenta e cinco anos após o Golpe Militar de 1964 essa postura sinistra é   os alunos conseguiram reabrir o Grêmio  ção: havia cenas de insinuação sexual  nar uma peça que tinha tudo a ver com
 retomada, evidenciando um anacronismo insuportável. Não há o que celebrar    Estudantil VI de Setembro. Uma das ini-  entre alguns dos personagens.   a vida deles. Foram barrados por mora-
                                                                                lismo puro e simples. Mas o fato é que
                                              A decepção foi enorme. Mas não hou-
 pelo 31 de março.  ciativas dos estudantes foi organizar um   ve desânimo, como era típico da idade.  o  “distanciamento”  (um  efeito  teatral
        grupo de teatro. Na periferia da cida-
        de, a escola era excepcional por vários  Tratava-se de buscar um novo texto. Por  brechtiniano) pode garantir à montagem
 SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR: ALBERTO AGGIO  WWW.FUNDACAOASTROJILDO.COM.BR  aspectos, dentre os quais se destacava  coincidência (e algum “arranjo”), caiu  da peça aprovada a sensação de que a
        um teatro para 400 espectadores e uma  nas  mãos  do  grupo  mais  aguerrido  e  luta pela liberdade não era válida apenas
        piscina de tamanho médio, infelizmente  dedicado uma peça bastante singela: “O  naquele momento histórico. Fazia parte
 Foto:  Agência Brasil  escolheu uma peça para ensaiar e se  texto se reportava ao processo de luta de  puro reacionarismo moral. Parece que
                                            julgamento de Peter Zenger”, de cujo  da realidade brasileira.
        já desativada.
          O grupo de teatro que se formou  autor não me recordo mais. Pois bem, o
                                                                                  O Capitão-Diretor levou o troco, por
                                                                                depois de 55 anos essa postura sinistra
                                            um jornalista nas antigas colônias ingle-
        apresentar ao restante da escola. Tra-
        tava-se de “Somos  todos do Jardim  sas na América. Fazia parte da luta pela  é retomada, evidenciando um anacro-
        da Infância” de Domingos de Oliveira,  liberdade de expressão no processo de  nismo insuportável. Melhor que nossas
        falecido recentemente. Posteriormente,  Independência dos EUA. No enredo, o  liberdades estejam ainda  garantidas
        a Rede Globo faria um especial com a  jovem jornalista era absolvido, em meio  para que possamos dizer: essas e outras
        peça, ainda em preto e branco. O texto  à pressão popular contra a Metrópole e  aberrações (mais severas, inclusive)
        tratava de um grupo de jovens e suas  vivas à liberdade. O público da escola,  não devem mais existir! Não há o que
        experiências pessoais e intelectuais no  com alunos, amigos, funcionários, pais  celebrar pelo 31 de março. A liberdade
        momento em que eles terminavam o  e, etc, lotou o teatro nas apresentações  venceu e com ela a democracia. Conti-
        colégio e estudavam para passar no ves-  que foram feitas. Sim. Porque o Capi-  nuemos a lutar por elas. Essa a “verda-
        tibular. Como não poderia ser diferente,  tão-Diretor – e até hoje não se sabe o  deira narrativa”!

                                                                                                                    Foto:  Arquivo Nacional






















 Troca de comando da Aeronáutica: Presidente quer celebrar esse regime, e seus apoiadores falam em uma “verdadeira narrativa” sobre 1964


 O golpe militar de 1964 realizado há  regime,  antes  e  depois  de  1968.  Hoje,  registra apenas um capítulo, em micro,
 55 anos alterou a história do país, e os  o presidente Bolsonaro quer celebrar  do que foi aquele regime.
 brasileiros viveram 20 anos sob um regi-  esse regime, e seus apoiadores falam em   Cheguei a São Paulo no final de 1970 e
 me autoritário. Depois de 1968, com o  uma “verdadeira narrativa” sobre o que  ingressei no ano seguinte numa das esco-
 AI5, ele quase se tornou fascista. Tanto  aconteceu a partir de 1964. O que vem  las estaduais mais importantes na Zona   Em 15/01/85, quando Tancredo Neves foi eleito presidente, acabaram 21 anos de uma ditadura militar violenta
 quanto possível houve oposição a esse  a seguir é apenas uma “memória” que  Leste: O IEE Nossa Senhora da Penha. A
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