Page 13 - Política Democrática
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10  ENTREVISTA - RAUL JUNGMANN  REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA  REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA  RAUL JUNGMANN - ENTREVISTA  11



 RD: Já está atuante isso?                                                      RD: É interessante esse seu jogo
                                                                           Foto: Mcamg Abr
                                                                                entre a iniciativa diplomática e a
 RJ: Já, desde outubro, mais ou menos.                                          reação militar.

 RD: Ministro, Venezuela. Tem saída?        “Estive umas três                     RJ: Sim, mas o que eu estou queren-
                                        vezes na Venezuela,                     do dizer é que se você pega esta última
 RJ: Difícil. Sem poder entrar em infor-                                        obra do Rubens Ricupero sobre a história
 mações que ainda são muito sensíveis,   conversei com gente                    da diplomacia brasileira, verá, nas últi-
 respondo, abstratamente: não vejo,          do governo e da                    mas páginas, que ele propõe que o Brasil
 honestamente, uma saída.                                                       se projete dentro de uma pauta que não
                                             oposição. Minha                    passa, necessariamente, pela pauta da
 RD: O narcotráfico está                        opinião é a de                  força. Eu não estou propondo que seja
 diretamente envolvido?                                                         isso, mas eu estou tentando dizer que se
                                            que processos de                    você vive em um universo da anarquia,
 RJ: Está. Escrevi um artigo em que eu   transição de regimes                   as relações internacionais não são exa-
 digo: por que tão difícil, já que é eviden-                                    tamente resolvidas, você tenta encontrar
 te, para qualquer observador mediano,      autoritários para                   soluções para isso.
 não haver saída para o regime. Se você   regimes democráticos
 olhar sob o aspecto econômico, financei-                                       RD: Você acha que não dá para
 ro, político, diplomático, o isolamento é   têm de contar com as               descartar nada?
 total. Quando ainda estava no ministério   garantias de quem é
 da Defesa, visitei uma área de abrigo. Por                                       RJ: Eu não estou dizendo que não dá,
 ironia se situava em uma praça chamada   oposição que, quando                  eu estou dizendo que nós batemos no teto
 Simon Bolívar, que abrigava pessoas que   chegar ao governo,                   com relação a isso. Nós batemos no teto.
 tinham viajado cerca de 200km entre     não vai punir quem
 Santa Helena e o Itanhaém, só com água,                                        RD: E não estamos preparados
 dormindo nos acostamentos das estradas.   agora é governo e,                   para a alternativa?
 Fiz uma pergunta óbvia a uma senhora:     efetivamente, vai
 “Por que a senhora está aqui?”. A res-                                           RJ: Vamos fazer aqui um raciocínio
 posta dela, sem nenhuma retórica, foi o        deixar de ser”                  muito óbvio. Em que a situação da Vene-
 seguinte “Lá não tinha comida, não tinha                                       zuela afeta nosso interesse nacional bra-
 emprego, nem remédio. Era vir para cá ou                                       sileiro, em função do seu destino, das
 morrer”. Uma população que se submete                                          suas opções? O que ela afeta? Você não
 a uma coisa dessa, é uma população que                                         vai encontrar. Claro que é um problema
 está sendo, evidentemente, destruída. O                                        grave você ter um país, em nossa fron-
 que eu dizia naquele momento? Estive  terá condições de assegurar isso. Enquan-  diante das possibilidades de fragmenta-  fazendo tudo que cabe no plano diplo-  imprevisível. Agora pode até parar no  teira, vivendo em uma situação como
 umas três vezes na Venezuela, conversei  to essa questão não se resolver, é muito  ção e, também, fizesse frente ao que se   mático, mas a lógica da Venezuela não  Conselho de Segurança nas Nações  essa. A opção militar, para mim, não se
 com gente do governo e da oposição.  difícil que isso ande. Tem outras ques-  considerava uma ameaça – a Argentina   é uma lógica diplomática. Quando você  Unidas, e aí você vai ter potências fora  coloca, porque o interesse nacional não
 Minha opinião é a de que processos de  tões, como, por exemplo, a participação  tentando recriar o vice-reinado do Prata.   faz um enfrentamento pela via diplomá-  do continente participando desse pro-  está sendo ferido. Na verdade, o Brasil
 transição de regimes autoritários para  dos cubanos na inteligência do país e a  Desde então, o Brasil, muito inteligente-  tica, a Venezuela, usualmente, responde  cesso. E o líder da América do Sul, o  tem de fazer uma grande meia culpa, e
 regimes democráticos têm de contar com  dependência de Cuba do petróleo vene-  mente, adotou o mantra do soft power,   pela via da força ou pelo desafio do uso  que faz diante desse dilema? O que  particularmente, a esquerda. Outro dia eu
 as garantias de quem é oposição que,  zuelano. E o que dizer do envolvimento  por meio do qual, pela diplomacia, con-  da força. E nós não temos nenhum acú-  nós fazemos? Porque aqui tem um  estava conversando em um grupo onde
 quando chegar ao governo, não vai punir  de setores da elite do país com a crimi-  seguimos acertar nossas pendências pela   mulo nessa área. Desaprendemos a lidar  dilema muito sério. Se você é o líder  tem velhos companheiros de esquerda,
 quem agora é governo e, efetivamente,  nalidade, o narcotráfico e bandos que  arbitragem, pela negociação. No regime   com isso.  e se propõe a ser o líder, você tem  e um deles estava indignado com essa
 vai deixar de ser. Isso é uma coisa abso-  cometeram atrocidades? Como você dá  de 64, ampliou-se o distanciamento   agir. Tive conversas sobre a Venezuela  ida aos Estados Unidos de Trump. “Posso
 lutamente central e, no caso da Vene-  garantias em relação a isso?  entre os vetores externos de projeção,   RD: A relação com os Estados   com as mais altas autoridades na área  provocar?”, perguntei. “Onde você esta-
 zuela, uma debilidade. Nem a oposição   Eu sempre trabalhei em favor de uma  a defesa e a diplomacia. A situação na   Unidos de Trump Bolsonaro   de política externa de Trump, que me  va quando Lula e Dilma faziam o mesmo
 tem condições de assegurar a incolumi-  reaproximação  entre os  ministérios  da  Venezuela me animou a retomar a coor-  pode mudar esse quadro?  disseram: “A gente quer ouvir. O que  com Cuba, com Irã, ou com a própria
 dade, a não perseguição, a integridade,  Relações Exteriores e Defesa, porque,  denação  entre  diplomacia  e  defesa.   vocês querem fazer? O que o Brasil  Venezuela? O que foi dito? O que foi fala-
 seja o lá o que for, desses que estão no  lá trás, no século XIX, diplomacia e for-  Numa reunião com o chanceler brasi-  RJ: Adiantei-me a essa questão no  acha que deve ser feito”. Não temos  do a esse respeito?”. Uma certa esquerda
 poder, sobretudo o estamento militar, e  ça andaram juntas, para permitir que  leiro, opinei que tínhamos chegado na   passado, ao perguntar: “E se a crise  uma resposta para isso. Toda a lógica  moderna, democrática, tinha de aprovei-
 tampouco, do lado de lá, há a percepção  o Brasil resolvesse sua questão de limi-  questão da Venezuela a uma situação de   na Venezuela escalar? O que vai acon-  que você construiu durante um século  tar a ocasião para indagar: “Olha aqui, o
 de que quem está hoje fazendo oposição  tes, a questão de sua própria unidade,  paralisia frenética, porque nós estamos   tecer? Na época, uma guerra civil era  e meio, a Venezuela muda.  que dá essa brincadeira”.
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