Page 24 - Revista Política Democrática nº 47 - Setembro/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - JORGE CALDEIRA
se saia dessa disfunção. É como um fil-
me em que você volta todo dia para “
o mesmo dia. Isso está acontecendo,
em alguma medida, no Brasil. A nossa
sorte é que um resto de outras coisas O Brasil precisa de um
funciona. O Brasil tem conexões com
é o potencial para a economia de car- choque dessa espécie
o resto do mundo e, no que interessa,
bono neutro. Então, o mundo vai nos
olhar. Vai ser difícil escapar dessa. Por hoje para entrar na
bem ou por mal, o Brasil vai ter que se
adaptar a isso. Isso é, mais ou menos, economia de carbono
quando você tem esse tipo de clima,
é mais ou menos o que aconteceu no
fim do Império com a abolição. Todo o neutro”
mundo que tinha o mínimo de visão de
futuro dizia “temos que fazer abolição
porque isso aqui não tem futuro”. Em planejamento hoje. O que era desen-
1800, quando fizeram as instituições volvimento econômico não é desen-
brasileiras para proteger a escravidão, volvimento econômico hoje. Se não se
ninguém tinha alternativa para ela. adaptar a essa mudança, você ficará no
Em 1850, em uma hora, já havia alter- tempo passado. A economia do tupi-
nativas para ela. Em 1880, aquilo era nambá é muito mais próxima a dos prê-
um atraso monumental, e os escravis- mios Nobel de 2007, 2008, 2010, que
tas diziam que, se houvesse abolição, foram concedidos a quem lida com a
faltariam braços para o trabalho por- tradição de carbono neutro e a econo-
que ninguém quer ser escravo, mas os mia circular, e não com a teoria econô-
braços para o trabalho livre sobravam. mica que aplicamos, como a Teoria do
Então, o Brasil está olhando o mundo Valor, de Karl Marx e do Adam Smith.
um pouco como era no fim do Império, Isso é uma coisa que pouca gente nota,
com lentes do passado, da Guerra Fria, mas valor em economia, para o Adam
de projetos econômicos que já não tem Smith ou Marx, é exatamente a mesma
mais sentido porque ninguém vai fazer definição teórica: o que está na natu-
um poço de petróleo. Esquece. Não reza não tem valor, o que só começa na
tem futuro. É economia morta. O equi- hora em que se arranca a árvore que
valente à defesa do trabalho escravo estava na natureza, porque é trabalho
no tempo do Império é o negacionismo humano, e, com isso, faz-se uma mer-
de hoje: negar que não existe uma eco- cadoria. Enquanto ela é útil, tem valor.
nomia nova nascendo. Mas a economia Quando deixa de ser útil, perde o valor,
existe. Então, não tem como escapar e você joga fora. É lixo. Então, o ciclo
disso. A elite brasileira tem muita di- econômico é só entre arrancar da natu-
ficuldade de olhar uma economia com reza e jogar de volta para a natureza.
os princípios da economia de carbono Por outro lado, o ciclo econômico do
neutro. No entanto, o pequeno empre- cacique e dos economistas é diferente:
sário enxerga isso muito mais depressa você tem que produzir, reciclar e pro-
que o grande. Por isso que a mudança duzir de novo para fazer um circuito de
está acontecendo embaixo. No caso da produção econômica. Essas mudanças
energia solar, qualquer dono de casa a gente percebe pouco, mas são essen-
faz a conta e fala: se colocar uma pla- ciais no mundo que corre hoje.
ca solar aqui, pago essa placa solar só
na conta de luz em 12, 16, 24 ou 36
meses. É assim que está sendo feito, SAIBA MAIS SOBRE O ENTREVISTADO
apesar de não ter plano nacional para
a transição à energia solar. O que era JORGE CALDEIRA
planejamento nos anos 1970 não é
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