Page 19 - Revista Política Democrática nº 47 - Setembro/2022
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JORGE CALDEIRA  - ENTREVISTA ESPECIAL




                     pessoas precisam entender que, na econo-  das de restrição de crédito, o que permi-
                     mia da escravidão, o escravo era, também,   tia que o título de propriedade do escravo
                     o principal título fi nanceiro dela. O título   fi casse competitivo. Acabou a escravidão.
                     de propriedade do escravo era empregado   Facilitou-se o crédito, e o capital apareceu
                     pelo proprietário dele. Então, todo o mer-  a troco de nada. Existe um livro chamado
                     cado fi nanceiro, no Império, funcionava   Nature of Capital, que mostra exatamente
                     em torno do título de propriedade do es-  como que, em São Paulo, se fi nanciou, com
                     cravo. Quando se fez a abolição, rasgou-se   pequeno capital, a ferrovia e a acumulação
                     o título de propriedade. Além de o escra-  do capital. Os tropeiros de São Paulo con-
                     vo fi sicamente ser libertado, o dono per-  seguiram fi nanciar a sua passagem para a
                     deu o título de propriedade, e isso deixou   posição de proprietários de ferrovias antes
                     de circular no mercado. Para se manter o   ainda do fi m da escravidão, e isso permitiu
                     título de propriedade do escravo como o   uma acumulação de capital que, depois,
                     principal da economia, foi preciso torná-lo,   foi aproveitada na economia. Essa história
                     por meios legais, competitivo, e o jeito   toda eu conto no livro Júlio Mesquita e Seu
                     que se encontrou de fazer isso, no Impé-  Tempo, que aborda o período em que a
                     rio, foi restringir o crédito ao máximo. As   economia brasileira teve um “crescimento
                     políticas econômicas da época eram to-   chinês”. Mas o Brasil também foi bem, fa-
                     “                                        Como a base do crescimento não eram os
                                                              zendo o contrário, depois dos anos 1930.

                                                              pequenos, mas os grandes projetos – side-
                                                              rurgia, eletrifi cação, petróleo –, precisava
                                                              ter capital intensivo para isso. Então, a so-
                     O que era
                                                              lução brasileira foi juntar esses capitais no
                                                              do Geisel era feito para que as ações fos-
                     desenvolvimento                          estado. Foi muito bom. Funcionou. O PND
                                                              sem cada vez mais assim: o estado junta os
                                                              capitais e os aplica, e o mercado interno
                     econômico não é                          cresce por causa dessa aplicação de capi-
                                                              tais. Isso deixou de ser relevante em 1970,
                     desenvolvimento                          mas muita gente continua pensando que
                                                              o desenvolvimento, no Brasil, é um grande
                                                              projeto estatal. A boa notícia é que a eco-
                     econômico hoje”                          nomia de carbono neutro,  especialmente
                                                              no que se refere à energia, é meio como
                                                              era a dinâmica no século 19. Nos últimos


                                                                                                      Foto: Reprodução/TV Cultura





























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