Page 21 - Revista Política Democrática nº 44 - Junho/2022
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CARLOS MELO - ENTREVISTA ESPECIAL
“ Estou falando de um grupo capaz de
conduzir processos, preocupantemente
ausente no universo político-partidário
do país, que reúne homens de ontem
A FALTA DE DEFINIÇÃO DE
um centro que mescla centro democráti-
SEGMENTOS DO ELEITORADO que não sabem separar o joio do trigo e
co e centro fisiológico.
REVELA A GRANDE CRISE DE PSDB. Três ou quatro facções brigam
O exemplo mais eloquente disso é o
LIDERANÇA “ entre si, mas todas se indignaram com
a declaração de Lula de que o PSDB
morreu. Embora politicamente infeliz, a
assertiva sobrevive a uma análise objeti-
passou-se para 10, depois nove e, assim, va no sentido de que o partido, se não
sucessivamente, até chegar a dois, Ciro morreu, está na UTI, e precisa de algu-
e Simone Tebet. E ainda pode se reduzir ma forma ser resgatado. Foi um partido
a um ou uma. Pena que não se enxer- importantíssimo. Basta lembrar o legado
gue que não existe mais esse negócio de dos governos Fernando Henrique, que
nem-nem, encoberto por uma cortina tiveram entre tantas outras realizações o
de fumaça que ofusca uma aposta cega Plano Real. Mas, já em 2002, na primeira
na ambiguidade de perfis, de identidade campanha sem FHC, José Serra saiu-se
política. A expectativa – equivocada – é a com essa: “Continuidade sem continuís-
de que cerca de 25% do eleitorado, que mo”. Em 2006, Geraldo Alckmin, sendo
não pretendem votar nem no Lula nem criticado pela esquerda por conta das
no Bolsonaro, terminarão migrando, por privatizações, tirou aquela foto ridícula
gravidade, para o centro. Quem acredita com um bonezinho do Banco do Brasil
nisso é melhor voltar para a casa. e a blusa da Caixa Econômica, exibindo
Ou, ainda, será possível que Eduardo seu afastamento do projeto do Fernan-
Leite volte a encarnar o sonho peesse- do Henrique. Não vejo ninguém, hoje,
debista de concorrer à eleição para pre- do PSDB discutindo o problema da ga-
sidente? Tudo no Brasil é possível, pois, solina, dos combustíveis, etc. Bolsonaro
como ensinava Ulysses Guimarães, a cometeu essa patacoada de querer pri-
política brasileira é sempre movida por vatizar a Petrobrás, e ninguém do PSDB
“sua excelência, o fato novo”. Por isso, resgatou a ideia das agências de regula-
ainda há tempo. Mas por que não se ção, da importância da Agência Nacio-
construiu uma identidade? Será ele, fi- nal do Petróleo, Gás Natural e Biocom-
nalmente, candidato à governança do bustíveis (ANP), da importância de todas
Rio Grande do Sul, depois de ter rejeita- essas agências, projetos vencedores do
do a proposta de Kassab para concorrer governo Fernando Henrique. Ninguém
nacionalmente pelo PSD, ter sido deslo- resgata isso.
cado da disputa presidencial pela vitó- Quem se der ao trabalho de ler meus
ria de Doria, na prévia do PSDB, e, em artigos nesses dois últimos anos verá
seguida, pela perda de espaço junto ao que defendi a ideia de que o centro
MDB, de Simone Tebet? Sem esquecer democrático deveria tentar a formação
que este partido está fraturado, se equi- de uma frente ampla até mesmo com
librando entre apoiadores de Lula ou de o PT de Lula. Mas isso não ocorreu, e
Bolsonaro. Esse é apenas um reflexo so- temo dizer que, independentemente do
bre a estratégia na campanha eleitoral resultado da eleição – e sabe-se lá que
da ausência de projeto de governo dos resultado teremos e com quais consequ-
candidatos alternativos. Seguimos atraí- ências –, a crise haverá de continuar a
dos por nomes, não por programas, me- partir de janeiro de 2023.
nos ainda por lideranças.
A falta de definição de segmentos do SAIBA MAIS SOBRE O ENTREVISTADO
eleitorado revela a grande crise de lide-
rança. Quando falo de liderança, não es- CARLOS MELO
tou falando de uma liderança unipessoal.
JUNHO 2022 REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 21