Page 37 - Revista Política Democrática nº 42 - Abril/2022
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COM CLAUDE LÉVI-STRAUSS: A ARTE PLUMÁRIA DOS ÍNDIOS - IVAN ALVES FILHO
revistas de cultura, a sala de Lévi-Strauss mais Vale dizer, eles têm sempre uma raiz concre-
parecia um santuário. O velho sábio leu du- ta, não se podendo separar o imaterial do
rante alguns minutos as questões que eu le- material. Para alguém que sofreu a acusação
vara por escrito e começou imediatamente a de desenvolver seu sistema de pensamento –
respondê-las. “As questões são excelentes. O o estruturalismo – fora da realidade histórica,
senhor está de parabéns”, disse ele, gentil- isso não é pouco.
mente. Eu tinha apenas 27 anos de idade e Claude Lévi-Strauss morreu quando com-
não pude disfarçar meu contentamento com pletou um século de vida. Quase já não escre-
seu comentário. Mas ele só aumentava a mi- via mais. Guardo com carinho as duas cartas
nha responsabilidade. que me escreveu, uma delas manuscrita, de-
Lévi-Strauss discorreu sobre tudo – ou qua- vidamente emoldurada por mim. Ao pensar
se tudo. Falou da prática artística dos povos no velho sábio, me vem à mente um belo po-
ditos primitivos, dos seus mitos. Revelou-se ema de Worsworth:
um admirador das sociedades sem classes, “Assim como uma imensa pedra que às
ele, um velho defensor do socialismo, forma- vezes vemos encolhida no topo nu de uma
do ainda nos embates ideológicos do final da montanha…semelhante a uma coisa dotada
década de 20. Emocionou-se, ainda, ao des- de sensibilidade, qual um animal marinho…
crever sua vida no Brasil, sua convivência com aquecido ao sol; assim parecia este homem,
os índios do Mato Grosso. Ao relembrar os nem completamente vivo nem completa-
nambiquara, sua voz ficou embargada e seus mente morto ou de todo adormecido, em
olhos se encheram de lágrimas. Aquilo me sua extrema velhice”.
comoveu muito: Lévi-Strauss pertence àquela
raça de sábios que se envolve emocionalmen- “
te com o objeto de seus estudos.
Porém, o que mais me surpreendeu foi CLAUDE LÉVI-STRAUSS
sua firme defesa dos postulados materialis-
“ COMPLETOU UM SÉCULO
tas. Confessou ter dois livros de cabeceira. MORREU QUANDO
LÉVI-STRAUSS DISCORREU DE VIDA. QUASE JÁ NÃO
SOBRE TUDO – OU QUASE ESCREVIA MAIS. GUARDO
TUDO. FALOU DA PRÁTICA COM CARINHO AS DUAS
ARTÍSTICA DOS POVOS DITOS CARTAS QUE ME ESCREVEU,
PRIMITIVOS, DOS SEUS MITOS UMA DELAS MANUSCRITA,
“ DEVIDAMENTE
O primeiro deles, A contribuição à crítica da
economia política, de Karl Marx. O outro, EMOLDURADA POR MIM “
Viagem ao Brasil, de Jean de Léry, um relato
que praticamente inaugura a antropologia
moderna, em meados do século XVI. Aprendi
com Claude Lévi-Strauss que os fenômenos
da superestrutura – tais como a arte e os mi- SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR
tos – refletem sempre o que se passa na in-
fraestrutura de uma sociedade determinada. IVAN ALVES FILHO
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