Page 35 - Revista Política Democrática nº 42 - Abril/2022
P. 35

HENRIQUE BRANDÃO - 50 ANOS DE ALGUNS DISCOS MARAVILHOSOS
                     com direção musical de Macalé, o disco “


                       Transa, para muitos críticos e fãs, é o
                     melhor disco de Caetano. Gravado em
                     Londres, cantado em inglês e português,

                     traz, em quase todas as músicas, citações   CAETANO E GIL, JÁ EM
                     e referências a poemas e obras musicais   1968, FIZERAM PARTE
                     de diversos autores, como Gregório de
                     Matos  (1636-1996),  Dorival  Caymmi     DO TROPICALISMO.
                     (1914-2008), Carlos Lira e Vinicius de
                     Lobo, além de trechos de canções do fol- NAQUELE ANO, LANÇARAM
                     Moraes, Baden Powel (1937-2000) e Edu
                     ra avant la lettre do que seria a música  TROPICÁLIA, UM DISCO-
                     clore e pontos de capoeira, numa postu-
                     dos anos 2000, com o uso do sample e
                     do mashup. Tudo costurado pelo talento   MANIFESTO. DESDE A
                     de Caetano.
                       Expresso 2222, de Gilberto Gil, é um   CAPA, COM FOTO CHEIA
                     marco  na  carreira  do  compositor  baiano.
                     Várias faixas se tornaram clássicos, como   DE SIMBOLISMOS, FICA
                     a que dá nome ao disco, e a confessional
                     Back in Bahia, espécie de “Canção do Exí-  EVIDENTE A ICONOCLASTIA
                     lio” moderna, de pegada roqueira, com-
                     çalves Dias concebeu seus famosos versos  DA PROPOSTA                          “
                     posta quase 100 anos depois que Gon-

                     românticos (1873).
                       Se  o  amigo  Caetano  misturou  suas
                     referências dentro das próprias músi-    e Coração Vagabundo, aboliu o intervalo
                     cas, Gil preferiu gravar, com toque au-  entre as faixas de Deus lhe pague e Cons-
                     toral, músicas do seu universo nordesti-  trução. A orquestração casa à perfeição
                     no, como O canto da Ema (Ayres Viana,  com a bela e complexa letra de Chico,
                     Alventino Cavalcanti e João do Vale) e  acrescentando  dramaticidade  à  saga  do
                     Chiclete com Banana (Gordurinha e Al-    personagem que morre na “contramão
                     mira Castilho), que acabou tornando-se  atrapalhando o tráfego”.
                     o carro-chefe do disco.                    Em 1971, Milton Nascimento, Lô Bor-
                       Pouco depois dos baianos tropicalis-   ges  e  uma  turma  de  amigos  mineiros,
                     tas, foi a vez de Chico Buarque partir  por sua vez, alugaram uma casa em Mar
                     para o exílio. Em vez de Londres, epicen-  Azul, Piratininga, balneário situado em
                     tro da onda psicodélica na Europa, Chico  Niterói (RJ). Nos dias em que ficaram por
                     migrou para a Itália. Retornou ao Brasil  lá, compuseram a maioria das músicas do
                     em março de 1970, desembarcando no  álbum duplo Clube de Esquina.
                     aeroporto carregando uma bandeira do       O disco é uma síntese do pop dos
                     Fluminense.                              Beatles, da música sacra do barroco mi-
                       Se Caetano e Gil foram artífices da  neiro, dos tambores africanos, da bossa
                     Tropicália, sob a inspiração de Oswald de  nova,  importante na  formação  dos que
                     Andrade, Chico já tinha desde garoto,  participaram do álbum, e do jazz, que
                     por meio do pai, Sérgio Buarque, ensaísta  todos ouviam atentamente. Todas essas
                     formado sob os eflúvios modernistas, um  referências se encontraram à beira-mar e
                     vínculo permanente com o modernismo.     gestaram um disco singular, de sonorida-
                       Em Construção, Chico Buarque bebeu  de moderna e universal.
                     na fonte da poesia moderna. Os versos,     Viva os 50 anos desses discos maravilhosos.
                     sempre terminados em proparoxítonas,
                     sugerem imagens de força cinematográ-
                     fica. Chamam a atenção, no disco, os                SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR
                     arranjos de Rogério Duprat, tropicalista
                     de primeira grandeza que, a exemplo do                 HENRIQUE BRANDÃO
                     que fez no Tropicália com Miserere Nobis



       ABRIL  2022                              REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                                    35
   30   31   32   33   34   35   36   37   38   39   40