Page 30 - Revista Política Democrática Online nº 40 - Fevereiroo/2022

KELLY QUIRINO - APESAR DE UM NOVO ANO, VIDAS NEGRAS CONTINUAM SENDO INTERROMPIDAS PELO RACISMO

televisão não avaliam como racismo a mor-
te do Durval, por exemplo. Afirmo isto, “
porque estava de férias com a minha fa-
val por meio do Programa Balanço Geral. SÃO SITUAÇÕES ASSIM
mília quando soube do assassinato do Dur-
O apresentador Reinaldo Gottino estava
fazendo enquete entre as pessoas que es- QUE HOMEM NEGRO
tavam no palco, indagando se era racismo
opinião dele: “Não é racismo”. Se o objeti- VIVE NO BRASIL. É
a morte do Durval. Ele mesmo exprimia a

vo era impedir um assalto no condomínio,
um tiro apenas seria suficiente para imobi- UMA DESUMANIZAÇÃO
lizar o infrator enquanto a polícia é aciona-
da. Quando o militar disparou três tiros, ele CONSTRUÍDA
proferiu por ser um corpo negro.
Para o apresentador, um homem bran-
co, classe média e privilegiado, não é pos- POR SÉCULOS DE
sível enxergar o racismo neste crime. Por-
um segurança em uma loja e não deve ter ANIMALIZAÇÃO DESTES
que ele não deve ter sido abordado por

sentido as pessoas atravessarem a rua por
medo, ao vê-lo e associá-lo a bandido. CORPOS, QUE PODEM
São situações assim que homem ne-
construída por séculos de animalização SOFRER TODO TIPO DE
gro vive no Brasil. É uma desumanização
destes corpos, que podem sofrer todo
tipo de violência e inclusive morrerem, VIOLÊNCIA E INCLUSIVE
porque não são seres humanos.
forem consideradas problemas individu- MORREREM, PORQUE
Enquanto as mortes de pessoas negras

ais no Brasil, não avançaremos em polí-
ticas públicas de combate ao racismo. Só NÃO SÃO SERES
que o racismo no Brasil não é debatido
ções em âmbito mundial do Black Lives HUMANOS “
amplamente. Ainda que as manifesta-
Matter, em 2020, tenham fomentado a
discussão do racismo no país, ainda é um
fenômeno tímido perto dos 500 anos de O professor e advogado Silvio de Al-
naturalização de violência e morte dos meida, em seu livro Racismo Estrutural,
corpos negros. afirma que o racismo precisa ser tratado
Ocorre que o brasileiro tem preconcei- no Brasil com o um problema complexo.
to de ter preconceito, como já dizia Flo- Um sistema complexo possui inúmeras
restan Fernandes, gerando negacionismo variáveis. Assim, cai por terra a prática
permanente sobre a existência do racis- de tratar o fenômeno de forma individu-
mo no Brasil, e, assim, o fenômeno con- alizada. Se é complexo, é preciso nome-
tinua interrompendo as vidas de pessoas ar. Não conseguimos solucionar algo que
negras. não tem nome. O país está avançando
E pelo fato de as pessoas brancas não porque estamos conseguindo nomear
viverem situações constrangedoras por o racismo nos últimos anos. Depois de
causa da cor da pele e de nem terem suas nomear, temos que compreender porque
vidas e sonhos interrompidos por causa acontece. O processo de escravidão, a
do racismo, se sentem à vontade para colonização, o sistema de hierarquia que
questionar a morte do Durval como uma classificou as pessoas em brancas, ne-
consequência do racismo em um progra- gras, indígenas. Não faltam autores que
ma de televisão. abordam estes temas, e elenco alguns

30 REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA FEVEREIRO 2022