Page 27 - Política Democrática
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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                 ANDRÉ AMADO -ESPINOSA E LÁZARO RAMOS, UMA CONSAGRAÇÃO    25




        quando favorece a solidariedade e o senti-
        do de justiça, quando aceita as prioridades                                                                Foto: Bel Pedrosa
        da vida pública sobre suas relações amoro-
        sas, por exemplo, quando se transforma no
        que Hemingway esperava do ato de escre-
        ver: criar pessoas reais, pessoas, não perso-
        nagens (On Writing, 1984, p.51).
          Assim construído, Espinosa não
        desperdiçava tempo nos trajetos que
        percorria nas diligências policiais para
        flanar pelo centro da cidade, em admi-
        ração reverente à arquitetura do Rio
        antigo; disputar os bancos da Praça
        Mauá com seus moradores permanen-
        tes para reservar-se espaço privilegia-
        do de acompanhamento da dança das
        águas, dos pássaros e das embarca-
        ções na Baía; mapear os endereços dos
        sebos mais tentadores e perder-se na
        garimpagem de um Conrad, Melville,
        Chandler etc. Espinosa conversava para
        ouvir; por isso se interessava tanto pela
        opinião de seus assistentes, como dos
        do andar de baixo. Gostava de mulher,
        só que não saía atrás; parecia confiar
        em sua tática de solitário e abandonado,
        que, segundo os peritos, termina sendo
        mais atraente; respeitava as leis, mas não
        necessariamente as autoridades, traço
        típico do carioca, em geral rebelde, sem-
        pre disposto a discrepar da opinião dos
        do andar de cima.
          Por tudo isso, vejo Lázaro Ramos
        assumir com rara tranquilidade o perso-
        nagem. Não é nada fácil posar de sério   Garcia-Roza: Seu romance de estreia, O silêncio da chuva, recebeu os prêmios Nestlé e Jabuti em 1997
        em cena e, ao mesmo tempo, irreve-
        rente, menos ainda abraçar o profissio-  de Espinosa, se era alto ou baixo, louro ou  Conan Doyle; das cidades do interior
        nalismo e cultivar derivações culturais  moreno, gordo ou magro. Preto descon-  inglês, no rastro das investigações de
        alimentadas pela literatura. Tampouco  fio hoje nunca me ter passado pela cabe-  Poirot e Miss Marple, vale dizer Agatha
        resulta convincente ser sensível e otimis-  ça. E por que passaria? Não faria a menor  Christie?  O mesmo se aplica à Suécia
        ta nas relações com mendigos, prostitu-  diferença. Caberá a cada leitor imaginá-lo  de Wallander, pelas mãos de Mankell; a
        tas, pequenos assaltantes, e, também,  em seu registro imaginativo e, agora, aos  Los Angeles de Harry Bosch, de Michael
        rigoroso e desconfiado com os repre-  da plateia vê-lo como quiserem.   Connelly; a Chicago de Patrick Kenzie,
        sentantes da elite, sem com isso deixar   O filme prestará grande contribui-  de Dennis Lehane, entre tantos outros
        vazar qualquer espécie de preconceito.  ção  à  cultura  e  à sociedade  brasilei-  exemplos. A grande torcida, portanto, é
        O ator terá de desempenhar-se com  ras. Ainda existem instituições que  a de que o êxito no cinema de O silêncio
        extrema  naturalidade  e  visível  convic-  cuidam  dos  interesses da  população,  da chuva consagre Lázaro Ramos como
        ção. Não fosse a diferença de gerações,  que operam com decência e consciên-  Espinosa e abra caminho para uma série
        chegaria a pensar que Garcia-Roza con-  cia do dever de atender e proteger o  de produções com os demais romances
        cebeu Espinosa à sombra de Lázaro.  cidadão.  Esta  é  uma  lição  que  temos  excelentes  da  Garcia-Roza,  como,  na
          Mas e a cor? O que tem a cor? Depois  de aprender de fora. Como é vista a  minha opinião, Uma janela em Copaca-
        de ter lido todos os livros de Garcia-Roza,  sociedade britânica depois da atuação  bana (2001), Espinosa sem saída (2006),
        nunca me perguntei de que cor era a pele  de Sherlock Homes sob a batuta de  Na multidão (2007) e Fantasma (2012).
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