Page 29 - Política Democrática
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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA MARCOS SORRILHA - BANCADA EVANGÉLICA: O CONSERVADORISMO E O PROGRESSO 27
Acelerando o tempo e chegando
ao Brasil de hoje, muitos são aqueles “EM SUMA, AINDA QUE DE BOLLE ENTENDA TAL
que dedicam suas atenções aos lances MOVIMENTO NOS LIMITES DO REGIME DEMOCRÁTICO
dados pela chamada bancada evangéli- E SAFATLE DESTAQUE O RECRUDESCIMENTO DO
ca em relação ao governo Jair Bolsona- AUTORITARISMO, AMBOS MIRAM PARA UM PROBLEMA
ro. Monica de Bolle e Vladimir Safatle, QUE ESTÁ NO AVANÇO DE TEMAS MORAIS/CULTURAIS DE
por exemplo, reconhecem que os evan- VIÉS REACIONÁRIO COMO A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA,
gélicos terão voz ativa e conseguirão
pautar decisivamente o governo. A INCOMPREENSÃO DOS TEMAS DE GÊNERO, O APOIO
Para de Bolle , as igrejas tendem a AO ESCOLA SEM PARTIDO ETC. DE FATO, ESSA É UMA
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assumir o papel antes ocupado pelos par- QUESTÃO QUE MERECE SER ACOMPANHADA DE PERTO.”
tidos em virtude da deterioração do siste-
ma de representação dos últimos quatro
anos. Segundo ela, apesar de ressalvar a Porém, o ponto que levanto é o Além disso, a bancada evangélica
heterogeneidade do movimento, parece seguinte: assim como o presenciado na representa setor formado por inúmeras
haver uma ação articulada não só capaz década de 1830-40 nos EUA, existe a agremiações que estão longe de serem
de influenciar nos caminhos do próximo possibilidade de que contextos conser- homogêneas. Entender os evangélicos
governo, mas também de dar a ele uma vadores da história forneçam bases para no Brasil chamando-os apenas por um
capilaridade maior do que os próprios viradas progressistas, justamente por tra- nome ou associando-os somente a
partidos conseguiam fazer. zerem ao jogo político temas e pessoas figuras como Malafaia ou Edir Macedo
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Safatle , por sua vez, enxerga uma que estavam afastadas dessa dinâmica. é um equívoco. Não se sabe o quanto
articulação mais clara entre Bolsonaro e Precisamente porque isso, afinal, oxigena essa heterogeneidade, quando sub-
os setores religiosos. Para ele, os evangé- as pautas e provoca a reação dos setores metida ao poder de fato, apresentará
licos não se apresentariam apenas como atingidos em busca de novas estratégias em termos de rupturas, gerando novos
um agente de articulação e pressão no de atuação e reformulação de ideias. grupos políticos.
jogo político, mas como verdadeiros ten- Não se sabe, mas pode ser que junto O que se sabe é que a democracia,
táculos do Executivo para a implantação aos temas obscuros acima apontados, a como campo de disputas políticas, pos-
de políticas reacionárias no campo cul- representação feita pela bancada evan- sui a virtude/vício de abrir possibilida-
tural. Estaríamos, portanto, diante do gélica traga reivindicações de setores mais de para que os atores estejam sempre
surgimento de uma República Funda- populares com as quais de fato ela dialo- aptos a trocarem de papel e estimula-
mentalista. O problema da análise é que ga. Isto poderia acarretar tanto na reivindi- dos a fazerem concessões. A abertura a
o autor confunde o conceito weberiano cação por um modelo de Estado que crie setores mais populares causa abalos no
de desencantamento com dessacraliza- autonomia ao pequeno empreendedor, status quo político, mas oferece os ingre-
ção e laicização, dando cores mais som- como na exigência de uma maior ênfase dientes necessários para novas sínteses
brias ao cenário político brasileiro. em políticas sociais, em outro espectro. que são o cerne do espírito democrático.
Em suma, ainda que de Bolle enten-
da tal movimento nos limites do regi-
me democrático e Safatle destaque
o recrudescimento do autoritarismo, Foto: Agência Câmara
ambos miram para um problema que
está no avanço de temas morais/cultu-
rais de viés reacionário como a intole-
rância religiosa, a incompreensão dos
temas de gênero, o apoio ao Escola
Sem Partido etc. De fato, essa é uma
questão que merece ser acompanhada
de perto.
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[1] Entrevista dada a El País publicada no dia 24/11/2018
sob o título de “As pessoas não acreditam mais em par-
tido político, mas acreditam na igreja”.
[2] Artigo escrito para Folha de São Paulo e publicado
no dia 23/11/2018 sob o título de “República Funda- Integrantes da bancada evangélica da Câmara celebram culto com Eduardo Cunha
mentalista”.