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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA  MARCOS SORRILHA - BANCADA EVANGÉLICA: O CONSERVADORISMO E O PROGRESSO   27




          Acelerando o tempo e chegando
        ao Brasil de hoje, muitos são aqueles    “EM SUMA, AINDA QUE DE BOLLE ENTENDA TAL
        que dedicam suas atenções aos lances     MOVIMENTO NOS LIMITES DO REGIME DEMOCRÁTICO
        dados pela chamada bancada evangéli-     E SAFATLE DESTAQUE O RECRUDESCIMENTO DO
        ca em relação ao governo Jair Bolsona-   AUTORITARISMO, AMBOS MIRAM PARA UM PROBLEMA
        ro. Monica de Bolle e Vladimir Safatle,   QUE ESTÁ NO AVANÇO DE TEMAS MORAIS/CULTURAIS DE
        por exemplo, reconhecem que os evan-     VIÉS REACIONÁRIO COMO A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA,
        gélicos terão voz ativa e conseguirão
        pautar decisivamente o governo.          A INCOMPREENSÃO DOS TEMAS DE GÊNERO, O APOIO
          Para de Bolle , as igrejas tendem a    AO ESCOLA SEM PARTIDO ETC. DE FATO, ESSA É UMA
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        assumir o papel antes ocupado pelos par-  QUESTÃO QUE MERECE SER ACOMPANHADA DE PERTO.”
        tidos em virtude da deterioração do siste-
        ma de representação dos últimos quatro
        anos. Segundo ela, apesar de ressalvar a   Porém, o ponto que levanto é o   Além  disso,  a  bancada  evangélica
        heterogeneidade do movimento, parece  seguinte: assim como o presenciado na  representa setor formado por inúmeras
        haver uma ação articulada não só capaz  década de 1830-40 nos EUA, existe a  agremiações que estão longe de serem
        de influenciar nos caminhos do próximo  possibilidade  de  que  contextos  conser-  homogêneas. Entender os evangélicos
        governo, mas também de dar a ele uma  vadores da história forneçam bases para  no Brasil chamando-os apenas por um
        capilaridade maior do que os próprios  viradas progressistas, justamente por tra-  nome ou associando-os somente a
        partidos conseguiam fazer.          zerem ao jogo político temas e pessoas  figuras como Malafaia ou Edir Macedo
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          Safatle , por sua vez, enxerga uma  que estavam afastadas dessa dinâmica.  é um equívoco. Não se sabe o quanto
        articulação mais clara entre Bolsonaro e  Precisamente porque isso, afinal, oxigena  essa heterogeneidade, quando sub-
        os setores religiosos. Para ele, os evangé-  as pautas e provoca a reação dos setores  metida ao poder de fato, apresentará
        licos não se apresentariam apenas como  atingidos em busca de novas estratégias  em termos de rupturas, gerando novos
        um agente de articulação e pressão no  de atuação e reformulação de ideias.  grupos políticos.
        jogo político, mas como verdadeiros ten-  Não se sabe, mas pode ser que junto   O que se sabe é que a democracia,
        táculos do Executivo para a implantação  aos temas obscuros acima apontados, a  como campo de disputas políticas, pos-
        de políticas reacionárias no campo cul-  representação  feita  pela  bancada  evan-  sui  a virtude/vício de  abrir  possibilida-
        tural.  Estaríamos,  portanto,  diante  do  gélica traga reivindicações de setores mais  de  para  que  os  atores  estejam  sempre
        surgimento de uma República Funda-  populares com as quais de fato ela dialo-  aptos a trocarem de papel e estimula-
        mentalista. O problema da análise é que  ga. Isto poderia acarretar tanto na reivindi-  dos a fazerem concessões. A abertura a
        o autor confunde o conceito weberiano  cação por um modelo de Estado que crie  setores mais populares causa abalos no
        de desencantamento com dessacraliza-  autonomia ao pequeno empreendedor,  status quo político, mas oferece os ingre-
        ção e laicização, dando cores mais som-  como na exigência de uma maior ênfase  dientes necessários para novas sínteses
        brias ao cenário político brasileiro.  em políticas sociais, em outro espectro.   que são o cerne do espírito democrático.
          Em suma, ainda que de Bolle enten-
        da tal movimento nos limites do regi-
        me democrático e Safatle destaque
        o recrudescimento do autoritarismo,                                                                         Foto: Agência Câmara
        ambos miram para um problema que
        está no avanço de temas morais/cultu-
        rais de viés reacionário como a intole-
        rância religiosa, a incompreensão dos
        temas de gênero, o apoio ao Escola
        Sem Partido etc. De fato, essa é uma
        questão que merece ser acompanhada
        de perto.


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        [1] Entrevista dada a El País publicada no dia 24/11/2018
        sob o título de “As pessoas não acreditam mais em par-
        tido político, mas acreditam na igreja”.
        [2] Artigo escrito para Folha de São Paulo e publicado
        no dia 23/11/2018 sob o título de “República Funda-  Integrantes da bancada evangélica da Câmara celebram culto com Eduardo Cunha
        mentalista”.
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