Page 21 - Política Democrática
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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA CLEOMAR ALMEIDA - CORRUPÇÃO NA BELO MONTE FAVELIZA POPULAÇÃO POBRE 19
Vilas fantasmas na Volta Grande do Xingu
Na frente de sua pequena casa de após a barragem do empreendimento ser ajuizou seis ações civis públicas para rei-
madeira e teto de palha em uma comu- concluída em novembro de 2015. No total, vindicar reparação de direitos das pessoas
nidade ribeirinha na Volta Grande do desde então, 300 famílias ribeirinhas tive- atingidas pelos empreendimentos.Em rela-
Xingu no Pará, o pescador e ex-garim- ram suas moradias demolidas e parte delas ção aos ribeirinhos, ele aponta como prin-
peiro Ismar Albertande da Silva (45) lan- foi deslocada do beiradão para reassenta- cipal problema o não reconhecimento de
ça um olhar de desolação em direção ao mentos urbanos coletivos, em Altamira, que as comunidades tinham um modo de
rio. O nível da água tem diminuído por a cerca de 820 quilômetros de Belém. As vida especifico, o que, acrescenta, deveria
causa da construção da barragem da famílias deslocadas criaram o conselho demandar uma abordagem social de acor-
Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A vizi- ribeirinho para acompanhar as demandas do com essa tradição e os vínculos locais.
nha dele, Francisca da Silva (37), lembra dos atingidos pelos dois empreendimentos De acordo com a antropóloga Ana de
os tempos áureos em que a região, rica e reivindicar a reparação de danos, o que, Francesco, do Instituto Socioambiental
em minérios, também atraía trabalhado- conforme ressaltam, ainda não ocorreu. (ISA) em Altamira, houve muitos ribeiri-
res para o garimpo e, por isso, ela con- O esvaziamento das vilas próximas às nhos que também foram para cidades
seguia juntar mais renda cobrando pelas margens do rio na Volta Grande do Xin- distantes de Altamira depois após serem
serestas que realizava em seu quintal. gu também provoca impactos negativos retiradas do beiradão. Segundo ela, par-
– Não queria me mudar daqui, mas em outras atividades econômicas locais, te das famílias recebeu apenas dinheiro
agora não tenho outra saída, porque como a do transporte em barcos a motor, depois de ter suas casas desapropriadas
não corre mais dinheiro, não tem mais conhecidos como voadeiras. O piloto porque não havia um programa específico
gente nem nada. Antes, era muito bom, Francisco Viana (55) conta que caiu muito de reparação para atendê-las.
tinha movimento e dava para juntar uma o número de viagens feitas por morado- O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
renda com o que vendia no meu bar e res entre as comunidades, o que, confor- e dos Recursos Naturais Renováveis (Iba-
nas festas que fazia para os vizinhos e me diz, enfraqueceu a renda gerada pelo ma) analisa proposta de reassentamento
os garimpeiros, conta Francisca, enquan- serviço de transporte marinho. Segundo apresentada pelo conselho ribeirinho para
to faz o almoço substituindo peixe, já ele, a locomoção agora ocorre com mais realocar as famílias, ainda este ano, em
escasso na região, por carne de galinha, frequência por veículos terrestres em áreas próximas ao rio que não sejam de
que ela cria no terreiro de sua casa. estradas abertas pelos empreendimentos preservação permanente. Para isso, a Nor-
A maioria das casas ficou vazia desde no meio da Floresta Amazônica. te Energia, responsável pela construção e
que foram desapropriadas para grandes – Antes, em média, por dia, havia 15 operação da Belo Monte, deve comprar
empreendimentos atuarem na região. pilotos transportando passageiros na região áreas que não tenham legislação ambien-
São os casos da Belo Monte, que deve da Volta Grande do Xingu. Hoje, é só um tal muito restritiva, para que as famílias
ser concluída até o final de 2019 e gerar por dia e, no domingo, não tem mais, possam produzir e ter lavoura no território.
11 mil megawatts de potência para aten- acentua Francisco, enquanto trafega com A Belo Sun informa apenas que “con-
der a 20,5 milhões de residências, e o da a equipe de reportagem por cerca de sete tinuará trabalhando com instituições
canadense Belo Sun, que, em fevereiro de horas no trecho do rio, visitando as poucas municipais, comunidades e grupos indí-
2017, recebeu licença para extrair ouro por comunidades que resistem no beiradão. genas com o objetivo de avançar com o
17 anos no município de Senador José Por- O defensor público federal em Altami- projeto Volta Grande em benefício para
fírio, na região da Volta Grande do Xingu. ra, Ben-Hur Daniel Cunha, afirma que já todas as partes interessadas”.
– Muita gente já teve que se mudar
daqui. Hoje, o peixe está acabando
e não tem mais emprego. Eu vivia da
pesca e do garimpo, mas agora estou Foto: Germano Martiniano
de mãos atadas, sem fonte de renda.
Nossas comunidades estão ficando no
vazio, desabafa Ismar, que sobrevive
com o pouco que consegue na pesca.
Grande parte dos territórios de comu-
nidades foi alagada pela Belo Monte logo
Assista aqui às entrevistas
Ismar Albertante atribui esvaziamento de comunidades ribeirinhas à ação de empreendimentos