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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA    CLEOMAR ALMEIDA - CORRUPÇÃO NA BELO MONTE  FAVELIZA POPULAÇÃO POBRE   19



        Vilas fantasmas na Volta Grande do Xingu


          Na  frente de  sua  pequena  casa  de  após a barragem do empreendimento ser  ajuizou seis ações civis públicas para rei-
        madeira e teto de palha em uma comu-  concluída em novembro de 2015. No total,  vindicar reparação de direitos das pessoas
        nidade ribeirinha na Volta Grande do  desde então, 300 famílias ribeirinhas tive-  atingidas pelos empreendimentos.Em rela-
        Xingu no Pará, o pescador e ex-garim-  ram suas moradias demolidas e parte delas  ção aos ribeirinhos, ele aponta como prin-
        peiro Ismar Albertande da Silva (45) lan-  foi deslocada do beiradão para reassenta-  cipal problema o não reconhecimento de
        ça um olhar de desolação em direção ao  mentos urbanos coletivos, em Altamira,  que as comunidades tinham um modo de
        rio. O nível da água tem diminuído por  a cerca de 820 quilômetros de Belém. As  vida especifico, o que, acrescenta, deveria
        causa da construção da barragem da  famílias deslocadas criaram o conselho  demandar uma abordagem social de acor-
        Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A vizi-  ribeirinho para acompanhar as demandas  do com essa tradição e os vínculos locais.
        nha dele, Francisca da Silva (37), lembra  dos atingidos pelos dois empreendimentos   De acordo com a antropóloga Ana de
        os tempos áureos em que a região, rica  e reivindicar a reparação de danos, o que,  Francesco, do Instituto Socioambiental
        em minérios, também atraía trabalhado-  conforme ressaltam, ainda não ocorreu.  (ISA) em Altamira, houve muitos ribeiri-
        res para o garimpo e, por isso, ela con-  O esvaziamento das vilas próximas às  nhos que também foram para cidades
        seguia juntar mais renda cobrando pelas  margens do rio na Volta Grande do Xin-  distantes de Altamira depois após serem
        serestas que realizava em seu quintal.  gu também provoca impactos negativos  retiradas do beiradão. Segundo ela, par-
          – Não queria me mudar daqui, mas  em outras atividades econômicas locais,  te das famílias recebeu apenas dinheiro
        agora não tenho outra saída, porque  como a do transporte em barcos a motor,  depois de ter suas casas desapropriadas
        não corre mais dinheiro, não tem mais  conhecidos  como  voadeiras.  O piloto  porque não havia um programa específico
        gente nem nada. Antes, era muito bom,  Francisco Viana (55) conta que caiu muito  de reparação para atendê-las.
        tinha movimento e dava para juntar uma  o número de viagens feitas por morado-  O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
        renda com o que vendia no meu bar e  res entre as comunidades, o que, confor-  e dos Recursos Naturais Renováveis (Iba-
        nas festas que fazia para os vizinhos e  me diz, enfraqueceu a renda gerada pelo  ma) analisa proposta de reassentamento
        os garimpeiros, conta Francisca, enquan-  serviço de transporte marinho. Segundo  apresentada pelo conselho ribeirinho para
        to faz o almoço substituindo peixe, já  ele, a locomoção agora ocorre com mais  realocar as famílias, ainda este ano, em
        escasso na região, por carne de galinha,  frequência por veículos terrestres em  áreas próximas ao rio que não sejam de
        que ela cria no terreiro de sua casa.  estradas abertas pelos empreendimentos  preservação permanente. Para isso, a Nor-
          A maioria das casas ficou vazia desde  no meio da Floresta Amazônica.  te Energia, responsável pela construção e
        que foram desapropriadas para grandes   – Antes, em média, por dia, havia 15  operação da Belo Monte, deve comprar
        empreendimentos atuarem na região.  pilotos transportando passageiros na região  áreas que não tenham legislação ambien-
        São os  casos da Belo Monte,  que deve  da Volta Grande do Xingu. Hoje, é só um  tal muito restritiva, para que as famílias
        ser concluída até o final de 2019 e gerar  por dia e, no domingo, não tem mais,  possam produzir e ter lavoura no território.
        11 mil megawatts de potência para aten-  acentua Francisco, enquanto trafega com   A Belo Sun informa apenas que “con-
        der a 20,5 milhões de residências, e o da  a equipe de reportagem por cerca de sete  tinuará trabalhando com instituições
        canadense Belo Sun, que, em fevereiro de  horas no trecho do rio, visitando as poucas  municipais, comunidades e grupos indí-
        2017, recebeu licença para extrair ouro por  comunidades que resistem no beiradão.  genas com o objetivo de avançar com o
        17 anos no município de Senador José Por-  O defensor público federal em Altami-  projeto Volta Grande em benefício para
        fírio, na região da Volta Grande do Xingu.  ra, Ben-Hur Daniel Cunha, afirma que já  todas as partes interessadas”.
          – Muita gente já teve que se mudar
        daqui. Hoje, o peixe está acabando
        e não tem mais emprego. Eu vivia da
        pesca e do garimpo, mas agora estou                                                                         Foto: Germano Martiniano
        de mãos atadas, sem fonte de renda.
        Nossas comunidades estão ficando no
        vazio, desabafa Ismar, que sobrevive
        com o pouco que consegue na pesca.
          Grande parte dos territórios de comu-
        nidades foi alagada pela Belo Monte logo


           Assista aqui às entrevistas
                                              Ismar Albertante atribui esvaziamento de comunidades ribeirinhas à ação de empreendimentos
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