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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                                         DOM ROQUE PALOSCHI - ENTREVISTA  7




        periferias. dom Roque Paloschi ressalta,  lua, a água, o vento. Essa foi a temá-  Senhora do Sol, ouviu: “Essa é a língua
        porém, que “a Igreja tem de ficar do  tica da campanha da fraternidade do  que Deus nos deu, tudo bem que nós
        lado de quem? Ao lado de quem promo-  Brasil – a questão ecológica, o meio  somos brasileiros, e precisamos aprender
        ve a morte ou de quem busca a vida?”.  ambiente, a questão da nossa relação  o português, mas nós não podemos per-
          O arcerbispo de Porto Velho afirma  com a terra.                      der o nosso idioma, porque essa é a lín-
        ainda que o evento é “é um convite ao                                   gua que Deus nos deu, e não precisamos
        diálogo, a escutar e buscar; a ter a cora- História desumana            ter vergonha dessa língua”. As missões
        gem e a ousadia de nos deixarmos con-                                   fizeram muito em relação à recuperação
        duzir pela ação do Espírito Santo e tentar   Temos clareza de que vivemos em  das línguas dos povos indígenas. É públi-
        dar respostas condizentes aos desafios de  uma região onde há um confron-  co e notório que vivemos em um país
        hoje na realidade pan-amazônica”.   to  entre  um  projeto  depredatório,  preconceituoso, discriminatório, incapaz
          Confira, a seguir, os principais tópi-  que  busca  tirar  da  criação,  do  meio  de reconhecer a vida de seus primeiros
        cos da entrevista à  Revista Política  ambiente, da natureza, todos os  habitantes,  e  a  prova  concreta  disso  é
        Democrática Online:                 recursos possíveis para enriquecer uns  que a Constituição promulgada há trinta
                                            poucos,  e outro projeto dos povos  anos ainda não se cumpriu naquilo que
        Declaração de um general            que vivem aqui, projeto de uma rela-  rezou e reza: o reconhecimento das ter-
                                            ção muito harmoniosa. Esse conflito  ras do povo Guarani-Kaiowá. E, se não
          A reação à declaração de um general  não é a igreja que está promovendo, é  tem território, não tem vida, não tem
        sobre a participação da igreja do Brasil  fruto de opções que a sociedade vem  pessoas. O desafio hoje é ter consciên-
        no sínodo previsto para outubro próxi-  fazendo há muito tempo. Nós canta-  cia de que a relação dos povos indíge-
        mo é um assunto diplomático.  Quem  mos na igreja um hino muito antigo  nas com a terra não é uma relação de
        vai responder a isso será a Nunciatura  que diz “Ninguém se engana, nin-  proprietário; é uma relação de pertenci-
        Apostólica ou a diplomacia do Vatica-  guém se engana, essa nossa história  mento, é uma relação onde eles não se
        no. Aquilo que eu disse na entrevista  já começou desumana, nossa história  sentem fora do ambiente. Tirar os índios
        a um jornal de São Paulo é o máximo  começou desumana”.                 dali é tirar o peixe do rio, tirar o peixe da
        que posso dizer. Primeiro: a igreja não                                 água. É preciso ter essa compreensão. O
        tem nada a esconder. Segundo: nada a  Patrimônio amazônico              que me faz sentir mais tranquilo é que
        temer. Terceiro: temos que viver o evan-                                nosso presidente jurou a constituição e
        gelho. E quarto: de quem que a igreja                                   que, portanto, vai cumpri-la.
        tem que ficar do lado? De quem pro-
        move a vida ou de quem promove a                                        O Sínodo
        morte? A posição da igreja é cristalina.   “DE QUEM QUE A
        O Papa disse, em outubro de 2017, que   IGREJA TEM QUE FICAR              Na região amazônica, são nove paí-
        temos de buscar novos caminhos para   DO LADO? DE QUEM                  ses que têm população indígena. Nós,
        a evangelização do povo de Deus nessa   PROMOVE A VIDA OU               da igreja, temos de reconhecer os cami-
        região  Pan  Amazônica,  uma  realidade   DE QUEM PROMOVE A             nhos feitos que nos levam a louvar e
        de sofrimento. Quem a acompanhou a                                      bendizer, mas também reconhecer que
        visita do Papa ao Peru recordará que os   MORTE?”                       precisamos fazer novos caminhos nes-
        povos indígenas disseram literalmente                                   sa relação com os povos originários.
        assim: “Francisco, nos defende, estão                                   Mas como vamos louvar a Deus se a
        nos matando”.                                                           vida está sendo dizimada, negada, se
                                                                                os direitos não são respeitados. Isso é
        Preservação da floresta               O papa diz que o desaparecimento de   o básico, isso está lá na carta a Tiago,
                                            uma espécie é uma perda para a humani-  não adianta mandar viver em paz, se
          Acho que nós temos caminhos de  dade. Quando olhamos a riqueza da Pan   a pessoa está morrendo de fome, sem
        luzes e caminhos de sombras. A pró-  Amazônia, vamos usar essa expressão,   assistência de saúde, sem seus direi-
        pria bíblia nos chama a viver em har-  com mais de 300 povos, mais de 270   tos reconhecidos. A evangelização é o
        monia com a criação, numa relação  línguas faladas, isso é um patrimônio   caminho que promove também a vida e
        de  respeito.  Há  cerca  de  800  anos,  para humanidade, não é tombado, essas   a dignidade de todos os povos.
        tivemos o testemunho de Francisco de  coisas não são tombadas, mas é como   A história revela que, no processo
        Assis, que nos ajudou a compreender  se fosse. Costumo contar uma história   de integração, houve perdas, muitos
        que tudo faz parte da obra de Deus,  que ouvi de um jornalista de Brasília que,   povos  foram  dizimados.  Em  1500,
        numa relação fraternal com o sol, a  visitando uma comunidade lá da Raposa   estima-se houvesse uma população
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