Page 35 - Revista Política Democrática nº 46 - Agosto/2022
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MARCELO S. TOGNOZZI - POBREZA SEM FRONTEIRAS
“ das do Centro, da Zona Sul, em qualquer
lugar da cidade.
A vida começou a piorar para os ca-
AQUI NO BRASIL, A PANDEMIA riocas quando a Petrobras viveu o terre-
moto das investigações da Lava Jato. Em
TIROU DE MILHÕES DE 2019, o Instituto de Estudos Estratégicos
de Petróleo, Gás Natural e Biocombus-
tíveis (Ineep) informava que a crise vivi-
PEQUENOS CIDADÃOS POBRES da pela Petrobras desde 2015 custou o
emprego de 2,5 milhões de brasileiros,
O DIREITO AO ENSINO E À o “equivalente a 19% do desemprego”
(daquele ano de 2019). O Rio, maior pro-
dutor de petróleo, sofreu mais.
“ clínica, de uma hora para outra, viu seu con-
MERENDA ESCOLAR Uma psicóloga com mais de 30 anos de
sultório em Copacabana se encher de pacien-
tes sofrendo de depressão. Eram os demitidos
inteiras vivendo amontoadas, transforman- pelas empresas fornecedoras da Petrobras.
Aquela classe média chegava ao divã dilace-
do caixotes de papelão em lares. rada. Não perdera apenas o emprego, mas o
No México, 54,3% das crianças estão em status, o estilo de vida. Estava sendo obrigada
situação de pobreza extrema, sem as condi- a se mudar de bairro, a tirar os filhos da esco-
ções mínimas de sobrevivência. Na Argen- la, a recomeçar. Muitos daqueles profissionais
tina, a situação não é diferente: 60% das superqualifi cados se refugiaram no Uber, ou-
crianças. A África dispensa apresentações, tros mudaram de profi ssão, alguns consegui-
a exemplo da Índia, Síria e Afeganistão. ram ir para o exterior. Mas todos, sem exce-
Infância pobre é o padrão. Olho para as ção, entraram para a estatística do Ineep, na
crianças da minha família e agradeço a Deus qual estavam incluídos cálculos indicando que
e ao Universo pela sorte que elas têm de po- 60% dos investimentos realizados no Brasil
der comer todos os dias, frequentar escola, neste ano de 2022 viriam da Petrobras, o que
usar roupas limpas, sapatos, gozar de lazer, não aconteceu.
viver num lar onde há respeito e amor. O Rio e a Petrobras tiveram um longo
As crianças vivem na pobreza globaliza- caso de amor que começou nos anos 1950
da, mas acessam a internet, ainda que de com a campanha do Petróleo é Nosso e que
vez em quando, e, com o que ainda resta culminou com a criação da empresa em
de inocência e sonho, mergulham no mun- 1953. Depois de investigada pela Lava Jato,
do das redes sociais, das pessoas bonitas, do posta de joelhos no exterior pagando mul-
consumo e da fartura. A riqueza mora ao tas, algumas secretas, a Petrobras deu uma
lado ou no celular, dependendo da cidade, guinada de 180 graus. Passou a ser a queri-
do bairro ou da rua. Como será a socieda- dinha de grandes fundos de investimentos
de que estas crianças construirão depois de internacionais como os trilionários The Ven-
adultas? A globalização, tida e havida como ture Group e Blackstone. Trocou de amor.
geradora de riqueza e bem-estar, acabou Hoje, a Petrobras exporta empregos ao in-
trazendo mais pobreza e mais sofrimento. vés de se preocupar em repor aqueles tragados
Entre os três estados mais importantes pela crise instaurada a partir de 2015. Parece
do Brasil, o Rio é o que registra a maior taxa absurdo, mas não é. A empresa tem encomen-
de desemprego. Em maio deste ano, tinha dado plataformas para empresas estrangeiras,
15% de desempregados ou 1.323.000 deixando de lado as brasileiras onde atuavam
trabalhadores sem trabalho. São Paulo re- os trabalhadores superqualificados, mandados
gistrou 10,8%, e Minas, 9,3%. Os dados para o divã e, depois, para o Uber. Sem con-
são do IBGE. Provavelmente, existam muito tar os menos qualifi cados, sem divã ou Uber.
mais desempregados, porque a pandemia Atualmente, das 14 empresas qualifi cadas
ceifou a renda de milhões de cariocas ago- para participar de licitações de construção de
ra dependentes da informalidade e que se plataformas, apenas uma, a Queiroz Galvão
tornaram camelôs, ambulantes nos sinais Naval, é brasileira. As demais são estrangeiras
de trânsito, famílias amontoadas nas calça- ou controladas por capital estrangeiro.
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