Page 13 - Revista Política Democrática nº 46 - Agosto/2022
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DELMO ARGUELHES - A TÓPICA ANTICOMUNISTA NA LINGUAGEM FASCISTA
mágica. As elites econômicas, a princípio, a decadência da retórica clássica, o tópos
não gostam dos fascistas, porém, gostam (singular de topoi) ganhou uma nova fun-
menos ainda – ou realmente odeiam – de ção: ser um lugar comum, um cliché de
revoluções populares, movimentos rei- emprego universal (Curtius, 1996: 109).
vindicatórios, ou qualquer obstáculo aos Os topoi ‘comunismo’ e ‘anticomunis-
privilégios de classe que ostentam. Mas mo’, na linguagem da extrema direita,
esse não é o único ponto de interesse das possuem conteúdos plásticos, prontos
elites no movimento fascista. Este, ne- para serem aplicados em qualquer caso e
cessariamente, sempre toma medidas a contra qualquer um.
favor do grande capital, e contrárias às No aspecto político mais imediato, “co-
necessidades e anseios populares. munista” é equivalente à categoria infa-
O fascismo apresenta como objetivo me “judeu errante”, do século XIX. O ju-
primordial um retorno aos dias passados deu errante, figura que não existe fora do
de glória, já que a modernidade implicou mundo das ideias, é também um cliché. Ele
na degeneração do corpo da pátria, tan- se recusava a se integrar à vida nacional,
to com base imperialista (no caso italia- e estaria sempre a conspirar para tomar o
no) ou racial (no caso alemão). A solução poder. Era um ‘inimigo objetivo’ (Arendt,
para reconduzir o país ao lugar devido, 1989: 474ss). Enquanto um criminoso co-
para Mussolini seria restaurar a efi ciên- mum precisa fazer algo que uma lei ante-
cia militar dos romanos antigos, partindo rior determine ser crime, o inimigo objetivo
para a conquista de territórios e colônias; seria perseguido pelo que ele poderia fazer,
para Hitler, seria fundar uma raça de
sobre-humanos, a partir do povo alemão.
Mesmo com a queda desses dois regi-
mes mais notórios, houve sobrevivência “
de muitos elementos fascistas pós 1945,
desde os aspectos práticos mais brutais,
como também na agenda socioeconômi- QUALQUER ATO QUE
ca, não menos violenta. Parte considerá-
vel do discurso fascista elegia a luta con-
tra o comunismo como prioritária. Tal luta DESAGRADE AS
tornou-se o leitmotiv da política externa
estadunidense, entre 1947 e 1991. Tal
fato corrobora a assertiva sobre as atitu- ELITES ECONÔMICAS
des fascistas que conseguiram sobreviver
à queda dos regimes.
Na luta contra o comunismo, os Esta- É CLASSIFICADO
dos Unidos patrocinaram dezenas de gol-
pes de estado por todo mundo, apoiando
ditaduras que diziam “combater o comu- COMO COMUNISMO,
nismo”, como se fosse uma senha para
se garantir ampla autonomia. Numa cena
te (1976), dirigido por Alan Pakula, um DA MESMA FORMA
do fi lme Todos os homens do presiden-
dos homens presos – que mais tarde será
apresenta na audiência de custódia como QUE OS DIVERGENTES
identifi cado como agente da CIA – se
‘anticomunista’, provocando estranheza
profi ssão como essa. Anticomunismo, SÃO CHAMADOS DE
ao magistrado, pelo fato de não existir
nesse caso, era nada mais, nada menos
A teoria dos topoi (τὀποι), a tópica, COMUNISTAS
do que um tópico do discurso.
possuía na Antiguidade Clássica uma fun- “
ção importante na arte da retórica. Com
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