Page 49 - Revista Política Democrática nº 43 - Maio/2022
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OS ÍNDIOS ATRAVESSARAM A PONTE! - LUIS QUESADA
As propostas artísticas contem-
porâneas também seguem percor- “
rendo a velha ponte. A mudança
que interfere no artista do século
21 provém das aceitações e rejei- HOJE EM DIA, HÁ
ções, dentro da legitimação que se
faz da arte moderna e pós-moder- “PEDÁGIOS” PARA
na. Isto é, a ponte da arte moder-
na segue aberta. Hoje em dia, há
“pedágios” para percorrê-la, já que PERCORRÊ-LA, JÁ
não se pode transgredir ou questio-
nar sem aceitar sua existência e seu QUE NÃO SE PODE
impacto histórico. Ela segue no seu
vaivém centro-periferia oferecendo
diversas perspectivas de expansão TRANSGREDIR OU
intelectual e artística.
Hoje, o “índio” deixou de ser QUESTIONAR SEM
“objeto” (como foi no modernis-
mo, por exemplo, na pintura Mani
Oca (1921), de Rego Monteiro, ex- ACEITAR SUA EXISTÊNCIA
posta na Semana de 1922) e passou
a ser um sujeito ativo na produção E SEU IMPACTO
de arte contemporânea brasileira.
Atravessaram a ponte artistas in-
dígenas, como Denilson Baniwa ou HISTÓRICO
Jaider Esbell, que reivindicaram, em “
seus discursos, a antropofagia como
pensamento indígena apropriado
por Oswald de Andrade. Um exem- que o personagem representa um
plo é a performance “Pajé-Onça dos “filhos do Sol”, além da cria-
Hackeando a 33ª Bienal de Artes de ção mítica de todas as plantas co-
São Paulo” [1], onde Baniwa crítica mestíveis existentes na mata.
abertamente a “História da Arte” No decorrer dos tempos, a arte
e os usos e abusos da imagem do indígena nunca foi tida como con-
“índio” que estavam presentes temporânea, e agora, após um sé-
nessa mesma bienal, imagens que culo da existência da ponte de 22,
desprezavam o presente dos povos diversas releituras antropofágicas
indígenas. É vital compreender que inspiram os artistas indígenas em
o modernismo brasileiro se usou de seu ativismo artístico, funcionando
manifestações culturais indígenas e como estratégias de afirmação po-
seu poder estético, sem contar ati- lítica para a descolonização estética
vamente com sujeitos indígenas. e cultural.
No caso de Jaider Esbell, artista
da etnia Makuxi, ele reivindica a fi- [1] Pajé-Onça Hackeando a 33ª
gura de Macunaíma alegando uma Bienal de Artes de São Paulo”
reapropriação pelos índios do “he- [1] (Denilson Baniwa, 2018; per-
rói sem nenhum caráter” que sim- formance, HD vídeo, 16:9, cor,
bolizou o nascimento mítico da cul- som, 15’). Disponivel em: https://
tura “brasileira” na obra de Mário www.youtube.com/watch?v=M-
de Andrade. Em seu livro Terreiro GFU7aG8kgI.
de Makunaima – Mitos, Lendas e
Estórias em Vivências, Esbell expõe
que a figura de Macunaíma provém SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR
da cosmogonia indígena Makuxi,
que representa um dos dois heróis LUIS QUESADA
míticos de sua tradição cultural, em
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