Page 22 - Revista Política Democrática Online nº 41 - Março/2022
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ENTREVISTA ESPECIAL - DRA. MARGARETH DALCOLMO




                     fornecer os remédios sofisticados que  chamo, não tem mais sentido no mundo de
                     haverão de evitar  rejeição ao longo de  hoje. Em um mundo em que você demons-
                     toda a vida. Na verdade, as seguradoras  tra tudo aquilo, formula uma hipótese e vai
                     não reembolsam remédios, ao  contrário  buscar demonstrar se essa hipótese está
                     dos Estados Unidos. Paga-se uma fortuna  certa ou errada. Não é muito importante
                     de seguro de saúde, e outra fortuna para  ela estar certa ou errada, o importante é
                     conseguir  alguns medicamentos de uso  que você diga a verdade. Como Pasteur, fi-
                     prolongado.                              cou triste à beça quando foi lá mostrar seus
                                                              experimentos, ficou zangado, mas não es-
                       RPD:  É difícil entender como a  condeu, não escamoteou, quer dizer, os re-
                     politização da  questão das vacinas  sultados, ruins ou não, vieram à tona. Nós
                     possa    ter   alimentado     atitudes   não fazemos pesquisa para dar certo, nós
                     negacionistas de parte de setores mais  formulamos uma hipótese e procuramos
                     ilustrados da população, bem como de  demonstrá-la. Sabíamos desde o início que
                     entidades médicas estaduais e federais.  a solução para a virose de transmissão respi-
                     A que se pode atribuir esse fenômeno?  ratória aguda seria a vacina, que era óbvio
                       MD: Olha, eu mesma vivo sob essa per-  que o investimento tivesse de se concentrar
                     plexidade porque eu tive muitas surpresas,  na vacina. Questionar que as vacinas utili-
                     algumas decepções, inclusive, da origem  zadas teriam menos benefício do que efei-
                     dessas atitudes. Imaginei que pudesse ser  to adverso é absolutamente irresponsável;
                     um problema de comunicação, mas, no  mais ainda, dar ouvidos a esse discurso. 
                     Brasil, franqueou-se o acesso aos meios de   Muito pior é que  médicos  estivessem
                     comunicação. Pode não haver filtros, mas o  metidos nisso, defendendo algo chamado
                     acesso está liberado, até mesmo em nome  de  tratamento precoce.  Somente agora,
                     da liberdade de expressão se diz qualquer  após dois anos de pesquisa, estamos che-
                     coisa. Confesso que, para mim, é um mis-  gando no tratamento precoce de verdade,
                     tério. Gostaria de destrinchar essa questão  antivirais que poderão ser usados em casos
                     com sociólogos do comportamento, antro-  confirmados, com sintoma até o quarto
                     pólogos sociais, pessoas de fato qualifica-  dia; os casos leves e moderados, com me-
                     das para explicar como esse fenômeno –  dicamento por via oral, cinco dias etc.  O
                     irracional, de qualquer ponto de vista – se  que se alegava antes era mero lixo, vale di-
                     espalhou como um rastilho de pólvora. 
                     zação que contaminou órgãos como a Co-“
                                                              zer cloroquina, nitazoxanida, invermectina.
                                         o
                                     é
                              coisa
                       Uma
                                             comportamento
                     lamentável de alguns dos nossos órgãos de
                     representação, como o próprio Conselho
                     Federal de Medicina (CFM), que a nós nos
                     entristece enormemente. Outro foi a politi-
                     nitec, criado para regular a incorporação de   A PERGUNTA ADICIONAL É SE
                     procedimentos e  medicamentos. É  inacei-  SERÁ NECESSÁRIO VACINAR-
                     tável. Como foi que isso aconteceu? Gos-
                     taria muito de saber responder de uma ma-  SE CONTRA A COVID-19
                     neira precisa, como eu costumo responder,
                     mas não sei. Tampouco conseguiria expli-  ANUALMENTE COMO SE FAZ PARA
                     car como  determinados grupos de médi-
                     cos também se politizaram nesse discurso,  A GRIPE. PARA MIM, NÃO. NÃO
                     alimentado por uma ideologia que levou as
                     pessoas a parar de  raciocinar, fazendo às  ESTOU FALANDO DE FATOS, FALO
                     vezes  troça do que chamamos evidências
                     científicas, como se evidências científicas  DE MINHA AVALIAÇÃO COMO
                     fossem algo como um luxo, e não algo so-
                     bre o qual devemos basear qualquer deci- MÉDICA, COMO PESQUISADORA,
                     são, mesmo em uma situação de epidemia.    ACHO QUE NÃO
                       Atos  heroicos,  ou  voluntários,  ou  um
                     voluntarismo de experimentação, como eu                                        “




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