Page 41 - Revista Política Democrática Online nº 39 - Janeiro/2022
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O CANTO LIVRE DE NARA LEÃO’ MIRA PASSADO E ACERTA PRESENTE - HENRIQUE BRANDÃO




                       O diretor, Renato Terra – autor dos do- “
                     cumentários “Uma noite em 67” (2010) e
                     “Narciso em férias” (2020) –, disseca todas
                     as etapas da carreira de Nara Leão. Para              SÉRIE CHAMA
                     tanto, teve  à sua  disposição um material
                     iconográfi co excepcional.                                 A ATENÇÃO
                       Acompanhando os capítulos, o que
                     salta aos olhos é uma personagem que é
                     muito mais do que uma cantora. Nara era               TAMBÉM POR
                     afi nada e tocava bem o violão – disso não
                     há dúvida. No entanto, as imagens de ar-
                     quivo e os depoimentos de pessoas que         NOS APRESENTAR
                     conviveram com ela atestam sua postura
                     independente, avessa a modismos, a pa-           UM PAÍS DE QUE
                     totas, a opiniões pré-concebidas. Sua sen-
                     sibilidade, seu faro fi no para perceber as
                     novidades, sua vontade de experimentar,                   ESTÁVAMOS
                     a levou a estar no lugar certo e na hora
                     certa em momentos decisivos da cultura
                     brasileira dos anos de 1960/70.                ESQUECIDOS QUE
                       A abordagem da série realça a indepen-
                     dência que a própria Nara teve na cons-       UM DIA EXISTIU, E
                     trução de  sua  carreira. Não  houve  pla-
                     nejamento marqueteiro, como estamos
                     acostumados a ver nos dias de hoje. Com   QUE NÃO SE PARECE
                     Nara foi outra história. Ela se deixava levar
                     pela intuição e pelo desejo. Tinha controle
                     total sobre os discos que gravou e admi-         EM QUASE NADA
                     nistrou a carreira a seu modo. Em alguns
                     momentos, não quis cantar. Recolheu-se.   COM O QUE VIVEMOS
                     Foi cuidar dos fi lhos e frequentar a faculda-
                     de de Psicologia, onde as colegas de aula a
                     tratavam de igual para igual.                          ATUALMENTE
                       A Bossa Nova nasceu na casa de seus pais,
                     na Avenida Atlântica, nas festas aos sábados,
                     todos contemplando “o macio azul do mar”,                                       “
                     como canta “O Barquinho”, composição de
                     Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, sucesso
                     na voz aguda e serena de Nara.
                       Desde essa época, já tinha opiniões fi r-  Mesmo sendo referência da Bossa Nova,
                     mes. Peitou o padre da PUC, quando este  no auge do sucesso rompeu publicamente
                     proibiu a apresentação de seu grupo de  com o movimento. “A Bossa Nova me dá
                     amigos na universidade católica caso Nor-  sono”, chegou a dizer.
                     ma Bengel, vedete de Carlos Machado, se    Levada por Carlinhos Lira, se aproximou
                     apresentasse também. “Se ela não cantar,  dos cantores dos morros cariocas, uma no-
                     ninguém canta”, disse Nara. E foram todos  vidade para ela. Passou a frequentar o Zi-
                     para o Teatro de Arena da Praia Vermelha,  cartola e descobriu que, mesmo em meio
                     que entrou para a história como um dos  à pobreza, era possível fazer belas músicas.
                     primeiros shows da Bossa Nova.           Pouco depois, em 1964, estrelou, ao lado
                       Suas apresentações, no famoso estilo ban-  de João do Vale e Zé Keti, o show “Opi-
                     quinho e violão da Bossa Nova, eram concor-  nião”, primeiro espetáculo de resistência à
                     ridas. Seus joelhos, à mostra, causavam fris-  ditadura militar.
                     son. Em entrevista posterior, riu da situação:   Em 1966, outro episódio polêmico.
                     “é porque eu sentava e botava o violão em  Em uma entrevista, disse que o Exército
                     cima da perna, e aí o vestido subia”.    não servia para nada, e quase foi presa




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