Page 21 - Revista Política Democrática nº 50 - Dezembro/2022
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ÁLVARO JOSÉ SILVA - A MARCA PELÉ




                       Acho que Eliza viu esse jogo. Não posso  vestia a camisa da Seleção Brasileira aca-
                     afi rmar, mas ela ia a todos. Eu não pude  bava reverenciado em todos os lugares. A
                     ir porque o advogado amigo de papai que  marca Santos se tornou mais perene que a
                     me levava chegou muito tarde e não havia  do Botafogo de Garrincha. E os dois viveram
                     mais lugar no estádio. Voltamos correndo  mais ou menos na mesma época.
                     para casa e vimos o clássico na TV pois a   O que Pelé tinha e os outros, não? Ele
                     Federação  Paulista  de  Futebol  liberou  a  simplesmente era completo. Passava a
                     transmissão da TV Record ao vivo para evi-  bola,  armava  jogadas,  chutava,  dava  as-
                     tar qualquer tipo de confusão. Eu, corintia-  sistência, cabeceava, cobrava faltas, es-
                     no sempre apaixonado, vi o segundo tem-  canteios, batia pênaltis, orientava os mais
                     po dos gols de Paulo Borges e Flávio com  novos e até os mais velhos, discutia tática
                     “                                        genialidade. Em consequência disso tudo,
                                                              de jogo até com os técnicos. Sempre com
                     lágrimas nos olhos. Acabou o tabu!
                                                              tornou-se um grande conquistador de mu-
                                                              lheres. Ia encerrar a carreira no Santos,
                                                              mas não conseguiu resistir a uma propos-
                     Há uma diferença
                                                              Cosmos. Foi embora para tornar o futebol
                     abissal entre Pelé e os                  ta fi nanceiramente imensa do New York
                                                              popular nas terras do basquete, do rugby,
                                                              do beisebol e de outras modalidades meio
                     jogadores de sua época                   estranhas a nós, os brasileiros.
                                                                Há uma diferença abissal entre Pelé e os
                                                              jogadores de sua época e os atuais. E não
                     e os atuais”                             apenas em termos de qualidade técnica,
                                                              mas também em conscientização sobre o
                                                              valor que cada um deve ter para se dedi-
                                                              car ao exercício da atividade. Pelé jogou na
                       Era assim que o futebol vivia ainda nas   época de Coutinho, Mengálvio, Pepe, Dor-
                     décadas de 1960/70. Gravitando em torno   val, Zito e mais craques. E não apenas os
                     do Santos e de Pelé. E os jogos entre os cha-  do Santos, mas também Leivinha, Dudu,
                     mados grandes lotavam os estádios quan-  Ademir da Guia, Dino, Rivelino, Flávio e
                     do aconteciam. Quase invariavelmente os   muitos outros. Tantos que a gente se es-
                     santistas eram favoritos. Na rua onde eu   quece e nem tem espaço para falar de to-
                     morava, no bairro da Aclimação, São Paulo,   dos eles. Cito uma diferença fundamental:
                     éramos vizinhos de uma família de italia-  eram pessoas que vendiam sua arte des-
                     nos. Luiz, o filho mais velho do fabricante   pida de tudo o mais, menos os uniformes

                     de estátuas de alabastro era, claro, palmei-  de jogo. Não eram árvores de falso Natal
                     rense. O irmão mais novo, Ricardinho, não.   cobertas de tatuagens de cima abaixo. E
                     Contra a vontade da família toda, torcia   nem aproveitavam os jogos de Copas do
                     pelo Santos de Pelé. E isso acontecia com   Mundo para saborear fi lés com ouro nos
                     milhares de outros garotos em São Paulo   intervalos de uma para outra partida.
                     e inúmeros outros lugares do Brasil e até   A exemplo de Neymar, Pelé tomava mui-
                     mesmo do exterior já naquela época.      tos trancos. Mas devolvia. Ao longo da car-
                       Antes do surgimento do maior jogador   reira eu o vi nos estádios – sim, eu o vi ao
                     da história o Santos era um clube médio, de   vivo! – fazendo sinal de “aguarde o troco”
                     um balneário muito procurado. Com Pelé   para o adversário que o havia agredido. E
                     ele ganhou uma projeção nunca imaginada   não era de fi car caído no chão, rolando
                     por ninguém. Afinal, era o endereço de Pelé   como  uma bola.  Levantava-se imediata-

                     e seus súditos: virou grande entre os gran-  mente como mola. Na Copa do Mundo de
                     des e começou a conquistar títulos em pro-  1970, no México, atrasou um pique para
                     fusão. Também se tornou dono de uma das   esperar o adversário uruguaio que o estava
                     maiores torcidas de São Paulo, com adeptos   caçando em campo. Deu-lhe uma cotove-
                     apaixonados espalhados pelo Brasil todo e   lada tão forte na cara que quase arrancou
                     pelo exterior também. Eram os torcedores   a cabeça do sujeito. Procópio, jogador do
                     de Pelé, os admiradores do Rei que, quando   Cruzeiro, teve a perna fraturada num revide




        DEZEMBRO  2022                          REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA                                    21
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