Page 34 - Revista Política Democrática nº 47 - Setembro/2022
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O CHILE DO PÓS-PLEBISCITO - ALBERTO AGGIO
“ um projeto de Constituição, de caráter
Por essa avaliação, pode-se dizer que
exclusivo de um conjunto de forças de
esquerda, sem sequer uma aproximação
Nunca a esquerda
com outros setores sociais e políticos, ou
uma forma de ver a sociedade e o que,
chilena havia sido seja, um texto constitucional que revelava
no longo prazo, se queria para o país em
todas as dimensões, superando o sistema
derrotada de forma tão político vigente bem como o Poder Ju-
diciário, marca uma visão refundacional
acachapante” do país e, por consequência, seu rechaço
pela maioria do povo signifi ca que não se
trata apenas de uma derrota eleitoral e,
sim, uma derrota política, cultural e ide-
ológica da esquerda que hegemonizou a
da Convenção e a vitória de Gabriel Boric Convenção.
para a presidência da República. Alguns Depois de uma derrota desse porte,
analistas chamam atenção para o fato de pode-se avizinhar um percurso bastan-
que, anteriormente, apenas na década de te difícil para a esquerda chilena. Há
1970, a esquerda havia sofrido uma derro- aqueles que vaticinam um retorno da
cada tão forte, mas naquela oportunidade direita ao poder em prazo não muito
houve um golpe militar que impôs, pela distante. É possível que isso ocorra. As
força, uma ditadura implacável que daria reações do governo Boric têm sido de
sustentação à sua “revolução” neoliberal. mudanças tópicas em seu gabinete e
A situação agora é diferente. Em termos erráticas em muitas outras dimensões
sintéticos, foi uma derrota expressiva das – vide o estrepitoso episódio da nega-
correntes políticas que se expressaram nas tiva de credenciais ao novo embaixa-
manifestações multitudinárias de outubro dor israelense.
de 2019 contra o governo direitista de Se- Ainda não se tem claro como se fará
bastian Piñera e transformaram aquela ex- uma nova Constituição para o Chile, ou
plosão de “rebeldia” numa operação po- mesmo se ela será feita. Há uma forte
lítica de refundação do país. Essas forças, divisão entre aqueles que querem uma
somadas ao Partido Comunista e à Frente nova Assembleia Constituinte, com um
Ampla do presidente Gabriel Boric, “he- novo formato na sua composição (as su-
gemonizaram” a Convenção Constituinte, gestões são inúmeras) e aqueles que sim-
que passou a ser identifi cada como uma plesmente querem entregar essa tarefa
assembleia de extremismo esquerdista, ao atual Congresso e pensam simples-
identitarista e antagonista. Dela saiu o tex- mente em “reformas constitucionais”.
to constitucional que acabou sendo rejeita- O cenário é efetivamente de uma
do pela imensa maioria dos chilenos. imensa estafa. O apelo do presidente
Para o cientista político chileno Kenneth Boric – que defende a elaboração de
Bunker, trata-se de uma derrota “transver- uma nova Constituição – para que se
sal” que abarca todos os segmentos econô- afaste do novo debate constitucional
mico-sociais, de gênero, urbano-rural, etc.; as posturas “maximalistas, violentas e
inclusive os setores que a esquerda diz re- intolerantes com aqueles que pensam
presentar. Para ele, foi também uma derrota de maneira diversa” ajuda, mas é visi-
“lapidária”: “a Convenção foi uma instância velmente insuficiente para enfrentar o
da esquerda, eles não tiveram a voz de veto enorme problema de recomposição de
da direita, fizeram um texto basicamente algum consenso entre os chilenos.
sem oposição, e o texto foi apresentado fiel-
mente ao povo, com o apoio do governo e
de uma parte importante da oposição; e o SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR
povo a rejeitou. Então é uma derrota ideo-
lógica, política, sobre uma visão socioeconô- ALBERTO AGGIO
mica do Estado que não tem comparação”.
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