Page 13 - Revista Política Democrática nº 47 - Setembro/2022
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PAULO RIBEIRO DA CUNHA - MILITARES E O GOVERNO BOLSONARO: POLÍTICA OU PARTIDARIZAÇÃO?
E por quê? Antes, há que considerar que os golpistas junto aos civis na União Democrática
militares nunca foram um corpo homogêneo Nacional (UDN). Descoladas de qualquer com-
na história do Brasil. Estiveram envolvidos na paração com o atual momento, essas correntes
política ao lado das causas nacionais e progres- digladiavam projetos de nação que expressa-
sistas. Ou, em outras épocas, contra o povo, por vam também teoricamente escolas de pensa-
vezes, expressando grupos ou lideranças, bem mento como a ESG e antípoda e situada à es-
como significativas influências na sociedade. querda ou no campo nacionalista, o Iseb. Essa
Essa díade relacionada à presença política na ação a favor da legalidade contra o golpismo
história não encontra necessariamente osmo- acabou derrotada em 1964 e foi significativa
se com a tentativa de partidarização das insti- sua presença na política, já que, comparativa-
tuições vistas contemporaneamente, embora mente, as demais categorias sociais e os mili-
pontualmente possa ser identificada em muitas tares foram os mais atingidos pelo golpe civil
das ações políticas no período republicano. Re- militar, segundo dados levantados no Relatório
correndo a um silogismo: toda ação partidária é Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
política, mas nem toda agenda política é parti- Após o golpe civil-militar de 1964, alguns
dária. Esse é o ponto fulcral dessa linha de aná- oficiais, praças e marinheiros aderiram à luta
lise, mesmo que brevemente exposto. armada. Entretanto, a maioria optou pela re-
Além dessa presença na política, houve ex- sistência à ditadura atuando em partidos de
pressões ou influências de posicionamentos oposição ou em associações, tendo em vista a
políticos e ideológicos à direita, como os Jovens restauração da democracia. Outros grupos mili-
Turcos, e à esquerda socialista e comunista nas tares à direita digladiaram na caserna, especial-
muitas rebeliões de marinheiros e sargentos, mente nos períodos de sucessão presidencial.
ou entre alguns expoentes do movimento te- Mas os embates internos no campo da política
nentista que fizeram história. Foram movimen- não foram superados nas décadas subsequen-
tos políticos sem conotações partidárias, cujas tes com a redemocratização, bem como na
páginas de luta foram dignificadas nesta etapa Constituinte, cujo establishment militar operou
inicial na Coluna Prestes/Miguel Costa, assim com sucesso em relação às muitas propostas
como no Movimento Revolucionário de 1935. de oxigenação de suas instituições, emergindo
Dessa conflituosa etapa histórica após os tensas relações com os civis em face a tentativas
anos 1930, decorre, enquanto resposta, a Dou- de subordinação com a implementação do Mi-
trina Góes Monteiro, resumindo um princípio nistério da Defesa.
de que não deve haver política no exército e
sim a Política do Exército, ou seja, a política deve “
ser privilégio dos generais. Após advir a demo-
cracia entre 1945 e 1964, confrontada por um
feroz anticomunismo, há de ser considerado Bolsonaro soube
que, nesse período da Guerra Fria, houve mili-
tares disputando pleitos presidenciais em todos
os escrutínios. Um dado que chama atenção, capitalizar em um
comparativamente, é que o percentual de mi-
eleição de 2018, em que pese houvesse uma cenário de polarização”
litares eleitos em 1946 é muito próximo ao da
maior pluralidade política e ideológica.
Ao mesmo tempo, marinheiros, praças e
ofi ciais procuravam ser reconhecidos enquanto E, apesar de estarem distanciados das lides
cidadãos plenos numa democracia cujos limites partidárias, concretamente, preservaram muito
de participação à categoria eram bem restritos sua autonomia. Talvez, favorecidos pelo fato de
na Constituição de 1946. Contudo, a Carta que a maioria dos ocupantes do MD foi inca-
abria possibilidades concretas e emergia uma paz de estabelecer efetivas pontes de diálogo
corrente de militares nacionalistas cuja centra- (salvas honrosas exceções vistas entre parla-
lidade e agenda eram pautadas na defesa da mentares do campo da esquerda). Há situação
legalidade e da democracia, bem como nas análoga no Congresso, cuja lacuna de compre-
causas nacionais, como o petróleo. ensão da categoria não encontra respaldo na
Em parte, havia um setor sob influência do maioria dos parlamentares. Talvez seja essa a
Partido Comunista Brasileiro (PCB) confrontan- dificuldade herdada de um efetivo exercício do
do militares que atuavam a favor de iniciativas poder civil nos vários casos de manifestações
SETEMBRO 2022 REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 13