Page 7 - Revista Política Democrática Online nº 41 - Março/2022
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REFLEXÕES SOBRE A NOVA ORDEM MUNDIAL - GUILHERME CASARÕES
anos representaram para as relações inter-
nacionais. A ocorrência de projetos impe- “
riais universais, calcados no triplo poderio
militar, econômico e ideológico-cultural de
um só país, é tão rara quanto efêmera. A AGRESSÃO DA
“era da unipolaridade” inaugurada pelos
Estados Unidos, em que o planeta foi sen-
do moldado aos valores liberais, democrá- RÚSSIA CONTRA
ticos e globalizados da superpotência, já é
parte do passado e difi cilmente voltará.
Ao revisitar o passado, nossa primeira OS UCRANIANOS
parada é o ano de 1945. Trata-se do único
ano, na história, em que um país utilizou NOS COLOCA NUMA
armamentos nucleares contra populações
civis – nos bombardeios americanos contra
as cidades japonesas de Hiroshima e Na- MÁQUINA DO TEMPO,
gasaki, onde entre 100 e 200 mil pessoas
morreram. Hoje, segundo o “relógio do
juízo fi nal”, dispositivo utilizado pelo Bo- EM QUE CADA PARADA
letim dos Cientistas Atômicos para estimar
a probabilidade de uma catástrofe huma-
na generalizada, estamos a 100 segundos NOS PROPORCIONARÁ
da meia-noite – o ponto mais próximo do
apocalipse a que chegamos desde o fi m da
Segunda Guerra Mundial. UM ELEMENTO
Nada impede que essa catástrofe venha
na forma de uma hecatombe nuclear. Essa
é a leitura de especialistas, sob o argu- CONSTITUTIVO DESTE
mento de que Vladmir Putin, ao conside-
rar o emprego de armas atômicas no de-
curso da operação militar na Ucrânia, abre FUTURO AINDA
a possibilidade de uma escalada sem pre-
cedentes, que pode envolver as cinco prin-
cipais potências nucleares do planeta – e INCERTO
causar danos irreversíveis à humanidade. “
Mas a realidade atual nos obriga a voltar
ainda mais no tempo. Se 1945 foi o ano da
maior violência nuclear da história, também
foi o momento no qual se consolidaram as grandes polos de poder contemporâneos –
regras básicas do direito internacional, sobe- EUA e Europa, China e Rússia – e defi nem
rania e autodeterminação, que prevaleciam os embates correntes. Assim como no pas-
até outro dia, quando o governo russo de- sado, as alianças vão se formando a partir
cidiu invadir um país vizinho ao arrepio da do desejo de dominar partes importantes
legalidade – e sem sequer construir um “ca- do globo e conduzindo a uma corrida ar-
sus belli” coerente (os Estados Unidos, cla- mamentista sem precedentes.
ro, foram violadores contumazes do direito Putin é um czar dos tempos modernos
internacional, notadamente no Iraque, mas e ninguém duvida de seu desejo de re-
eram a única superpotência do planeta). construir a grandeza do Império Russo,
Regressamos, pois, ao último quarto do cujo ápice foi, precisamente, o fim do
século 19. O mundo vivia a escalada de ten- dezenove. Creio, no entanto, precisar-
sões políticas entre as potências europeias, mos de uma terceira parada, agora em
que se posicionavam a partir de considera- 1453. A Rússia, então conhecida como
ções geopolíticas, nacionalistas e imperia- Moscóvia, inaugurava a era do Ivan III, O
listas. Os mesmos três ingredientes voltam Grande, que derrotou os mongóis, lan-
a aparecer nas interações entre os quatro çou as bases do Estado russo e triplicou
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