Page 9 - Revista Política Democrática Online nº 39 - Janeiro/2022
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GUILHERME CASARÕES - O XADREZ INTERNACIONAL DAS ELEIÇÕES DE 2022
“ pulista puro sangue, eram tão-somente
As preocupações de Bolsonaro, po-
eleitorais. De olho no apoio do agro-
negócio, das lideranças evangélicas ou
DE OLHO NO APOIO
politizou diversas pautas caras às nos-
DO AGRONEGÓCIO, de grupos conservadores, o candidato
sas relações com o mundo. Agressões à
China, que estaria “comprando o Bra-
DAS LIDERANÇAS sil”, ou às Nações Unidas, que seria um
“antro de comunistas”, tornaram-se
EVANGÉLICAS tão frequentes como os elogios emo-
cionados (e promessas unilaterais) a
Donald Trump ou Benjamin Netanyahu.
OU DE GRUPOS em entrevistas e nas redes sociais, um
Além dos arroubos antidiplomáticos
CONSERVADORES, O dos aspectos pouco explorados da cam-
panha de Bolsonaro foram as viagens
CANDIDATO POLITIZOU internacionais. Nos dois anos que an-
tecederam às eleições, o deputado re-
alizou missões oficiais a Israel, onde se
DIVERSAS PAUTAS batizou evangélico; aos Estados Unidos,
onde se reuniu com armamentistas, li-
CARAS ÀS NOSSAS berais do mercado financeiro e Olavo
de Carvalho; e a Taiwan, de onde re-
RELAÇÕES COM O tornou com uma moção de repúdio do
governo chinês.
Mais que contatos internacionais, as
“ ção de construir identidades políticas. É
MUNDO viagens pré-eleitorais, no quadro políti-
co brasileiro, possuem importante fun-
artifício útil, por exemplo, a candidatos
que se apresentam contra o establish-
mentvigente. Foi também o caso do
Ele tinha alguma razão: vista como conservador Jânio Quadros, que abra-
instituição de Estado, descolada da po- çou o antiimperialismo em polêmica visi-
lítica partidária e das idiossincrasias indi- ta a Havana, ou do neoliberal Fernando
viduais, a diplomacia brasileira foi capaz Collor, que oscilou entre o thatcherismo
de manter um perfil comedido, técnico e a socialdemocracia europeia em longa
e relativamente consensual ao longo do (e inédita) turnê de campanha.
tempo. Poucos temas de política exter- Os pré-candidatos à presidência em
na serviram para demarcar diferenças 2022 já estão se movimentando no tabu-
eleitorais irreconciliáveis, talvez à exce- leiro global. A diferença é que, agora, os
ção das controvérsias sobre a ALCA ou a dois principais concorrentes – o ex-presi-
aproximação brasileira de governos au- dente Lula e o atual, Bolsonaro – não pre-
toritários, do Irã à Venezuela. cisam moldar novas identidades políticas,
O cenário começou a mudar de mas defender seu legado externo.
modo significativo em 2018, pelas Ano passado, testemunhamos um
mãos do então candidato Jair Bolsona- primeiro embate internacional entre
ro. Apresentando-se como antissiste- ambos. Poucos dias após o fiasco da
ma, o deputado prometeu transformar participação do presidente brasileiro
radicalmente a inserção internacional na reunião do G20, que escancarou o
do Brasil. Além de desfazer o legado isolamento de Bolsonaro nos círculos
petista, propôs ruptura radical com a diplomáticos, Lula foi recebido caloro-
tradição diplomática, construída por di- samente por lideranças de esquerda em
versos governos ao longo do século 20. viagem pela Europa.
JANEIRO 2022 REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA 9