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22  ZUMBI DOS PALMARES E DE TODO O BRASIL - IVAN ALVES   REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA  REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA  IVAN ALVES  - ZUMBI DOS PALMARES E DE TODO O BRASIL  23

 Zumbi dos Palmares   do que se passou nas florestas que se  troca de nomes de Francisco para Zum-  cias. Além do que, os próprios escravos se
          Não obstante isso, a compreensão  o historiador Joel Rufino dos Santos, a  A transmissão indispensável de experiên-

 e de todo o Brasil  estendiam do cabo de Santo Agosti-  bi poderia significar uma recuperação  dividiam entre trabalhadores produtivos -
                                                                                que operavam nos engenhos e no corte da
        nho,  em  Pernambuco,  até  o  norte  do  da própria identidade, das raízes africa-
                                                                                cana-de-açúcar - e trabalhadores domésti-
        curso inferior do rio São Francisco, em  nas. Faz sentido. Mas, ainda assim, res-
        Alagoas, se revela de extrema impor-  ta saber se Zumbi mesmo reivindicava  cos. Isso, para não aludirmos aos diferen-
 O Quilombo representava, para os escravos negros, índios, mestiços e brancos pobres,   tância: o Quilombo dos Palmares logrou  esse nome para si, ou se, ao contrário,  tes horizontes étnicos e culturais presentes
 uma alternativa de vida para os que não tinham voz e nem vez na sociedade colonial  construir uma comunidade conduzida  as autoridades é que se referiam a ele  no Quilombo. Nele, uma mulher, Acotire-
        com autonomia pelos ex-escravos e  dessa forma - o que também não deixa-  ne, chegou a dirigir um quilombo.
                                                                                  De toda forma, Zumbi e seus com-
        homens livres que ali nasceram. Pelas  va de ser significativo.         panheiros  nos  deixaram  uma  grande
 Arte: Pedro Celso Cruz de Souza  atual serviu de palco para uma verda-  anos - apresentando-se, possivelmente,   concluir que, ao aceitar o confronto  da. Em Palmares, surgia uma Nação
        nossas pesquisas, podemos destacar
  Entre o final do século XVI e o iní-
        que o Quilombo durou mais de 120  Documentação
 cio do século XVIII, o Estado de Alagoas
                                                                                lição: criaram um Brasil não-oficial,
                                                                                em contraposição ao Brasil oficial, um
 deira epopeia, encarnada pelos com-
        como a maior luta de classes da história
                                              A documentação histórica permite  projeto estatal português sem dúvi-
 batentes do Quilombo dos Palmares. O
        da América Latina -, e isso só foi pos-
        sível porque os palmarinos entenderam  final em Macaco, capital do Quilombo,  chamada Brasil, ainda que às avessas.
 que foi essa experiência, exatamente?
 Ao questionar toda uma estrutura
 que poderíamos denominar de iguali-  que eram parte de uma luta geral e não  no ano de 1694, Zumbi provavelmente  E, ainda hoje, a luta desses homens
                                                                                ecoa, forçando em todos nós um justo
        travavam uma luta à parte.
                                            não via outra saída para si e o movi-
 tária, a qual prevalece até meados do   Convém examinar, além das formas  mento que ele liderava. Ou seja, fora  sentimento de admiração. Um gran-
 século XVI, o colonialismo português   de  organização  material  do  Quilombo  até o limite de suas forças. Mas essas  de dirigente revolucionário do nosso
 abre a via para a sociedade de classes   (trabalho livre, propriedade comunitária  mesmas  forças  esbarravam nas  cha-  tempo observou certa feita que “um
 no Brasil: no lugar das roças indíge-  da terra), a complexa questão do ter-  madas condições históricas objetivas.  chefe militar não pode esperar arran-
 nas, o latifúndio; no lugar dos homens   ritório efetivamente controlado pelos  Afinal, a ordem escravista não dava  car uma vitória indo além dos limites
 livres, os escravos. O Quilombo repre-  quilombolas. Um território frequente-  aos escravos rebelados aquelas condi-  impostos pelas condições materiais,
 senta para os escravos negros, índios,   mente invadido, depredado. Trata-se,  ções mínimas para abatê-lo. Isto é, a  mas ele pode e deve lutar pela vitória
 mestiços e brancos pobres - para os   na realidade, de uma sociedade acossa-  realização de uma política de alianças  nos limites mesmos dessas condições.
 que não tinham, enfim, vez nem voz   da. Nesse contexto, as forças produti-  que fosse além do próprio estamen-  O cenário onde se desenrolam suas ati-
 na sociedade colonial - acima de tudo   vas não têm como se expandir além das  to escravista, submetido, de outra  vidades repousa sobre condições mate-
 uma alternativa de vida. De uma vida   atividades de subsistência e se encon-  parte, a constantes renovações de  riais objetivas, mas ele pode, sobre este
 sem perseguições nem espoliações.   tram, de fato, bloqueadas. Essa a tragé-  natureza demográfica, devido à curta  cenário, conduzir ações magníficas, de
 Contrastando com a penúria genera-  dia maior do movimento, a nosso juízo.  duração do ciclo de vida do escravo.  uma grandeza épica”.
 lizada  na  Colônia,  praticamente  mer-  Com efeito, em Palmares, vigora uma  Ora, isso dificultava sobremaneira a   Zumbi, enquanto chefe militar, pare-
 gulhada na monocultura do açúcar,   forma social de produção algo coletivi-  formação de uma memória de classe.  ce ter compreendido isso.
 sobretudo na faixa do Nordeste atual,   zada, cuja especificidade maior consiste
 existia em Palmares um aparelho pro-  em ser transitória e em servir de refú-
 dutivo capaz de satisfazer não apenas   gio para os perseguidos e espoliados da
 as necessidades materiais dos mem-  sociedade oficial, colonial. A segurança
 bros da comunidade, mas também   e a sobrevivência, a guerra e o medo -
 gerar um excedente, negociado junto   eis os verdadeiros motores da comuni-                                       Foto: IDivulgação / Ministério da Cultura
 aos vilarejos coloniais vizinhos. Palma-  dade palmarina.
 res integrava, assim, e plenamente, o   Zumbi dos Palmares foi o grande
 mercado interno nascente.   nome dessa epopeia. Batizado com o
   Essa primeira tentativa concreta   nome de Francisco, ele nascera na míti-
 de superação da realidade colonial   ca Serra da Barriga, em 1655. Nasceu
 foi finalmente esmagada pelas forças   livre, portanto; nunca foi escravo de
 portuguesas e pelas tropas arregi-  ninguém. Tinha 40 anos ao ser assas-
 mentadas pelos senhores de engenho   sinado.  Criado pelo padre Antonio de
 e escravos de várias capitanias. Essas   Melo, o menino Francisco, então coroi-  Parque Memorial reconstitui o cenário e a história do Quilombo dos Palmares
 tropas chegaram a mobilizar cerca de   nha que “conhecia todo o latim que há
 14 mil homens, pelo que apuramos   mister e crescia em português e latim
 nos arquivos portugueses. Mesmo   muito a contento”, fugira para Palmares   SAIBA MAIS SOBRE O AUTOR:
 modernamente, seria uma operação   em 1670, tornando-se em poucos anos             IVAN ALVES
 Zumbi dos Palmares chegou a comandar 20 mil pessoas até sua morte
 de guerra considerável.  o dirigente máximo do Quilombo. Para
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