Page 29 - Política Democrática
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26 SINTONIA COM O POVO - CRISTOVAM BUARQUE REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA CRISTOVAM BUARQUE - SINTONIA COM O POVO 27
A razão do eleitor no poderá fazer pequenas correções Oposição à oposição
Sintonia com o povo, mas A eleição de 2018 foi mais de rejei- na situação atual. O novo governo ainda não tomou
sem firmeza no ‘sim’ ao Brasil ção aos perdedores do que de apoio Obrigado, eleitor posse, e os derrotados tentam se aglu-
tinar para ganhar a próxima eleição, em
aos vencedores. Não venceu quem
Nada permite otimismo nos resul-
2022, sem terem as ideias, nem mani-
captou mais votos “sim” a seu favor,
mas quem jogou mais votos “não” tados previsíveis para o governo Bol- festarem as propostas para o primeiro
Resultados previsíveis para o governo do presidente Jair Bolsonaro não permitem contra seus adversários. Por isso, difi- sonaro; bem ao contrário, insinua-se governo do terceiro centenário do Brasil
período de retrocesso social, cultu-
independente. Querem ganhar o próxi-
cilmente o novo governo vai represen-
otimismo. Ao contrário, insinua-se período de retrocesso social, cultural, política tar um rumo para o Brasil sintonizar-se ral, política. Embora o eleitor sempre mo pleito com a mesma postura que
com o “espírito do tempo” da história tem razão ao manifestar sua vontade, apresentaram no último, com o mesmo
moderna e com os caminhos que ela mesmo quanto vota por ira e não por discurso e a mesma falta de sintonia
Foto: Valter Campanato / Agência Brasil te, não para o futuro; fiel ao “não” meiro turno. Mesmo assim, podemos eleição de 2018, a população brasileira
esperança, é possível imaginar que ele com o futuro da história. Não percebem
aponta para a civilização. Tudo indi-
teve razão, mas errou, logo no pri-
ca que será um governo do presen-
que, mais do que Bolsonaro ganhar a
aos outros, sem firmeza no “sim” ao agradecer ao eleitor pelos votos que disse “não” aos que agora defendem
Brasil. Isso leva ao pessimismo sobre deu buscando renovação dos quadros unidade dos derrotados.
o governo Bolsonaro, tanto no risco e dos partidos que não deram res-
O povo disse não às siglas e aos can-
de substituir o populismo de esquer-
posta às necessidades históricas do didatos que se autodenominam esquer-
da por populismo de direita, como por país. Apesar de riscos de retrocessos da, que tentam agora se aglutinar sem
deixar o Brasil mais uma vez prisionei-
de Jair Bolsonaro, os votos de 2018 erraram, sem formular alternativas his-
ro dos problemas do presente – vio- históricos, no que se refere à eleição fazer autocrítica, sem entender onde
lência; crime; corrupção; déficit fiscal; permitem esperar: tóricas para o Brasil no mundo em trans-
gigantismo do Estado – sem enfrentar a. redução do fisiologismo na ocupação formação. Parecem acreditar que foi
os desafios para as necessidades do dos cargos da máquina pública; o povo quem errou, escolhendo outro
futuro – ciência e tecnologia; compe- b. diminuição do gigantismo do Esta- candidato, e querem oferecer uma nova
titividade; inovatividade; aumento da do, especialmente eliminando a chance aos eleitores para acertarem em
produtividade; superação da pobre- custosa ineficiência de estatais sem 2022. Dizem que o único errado é o PT,
za; sobretudo, o principal vetor para propósito de interesse popular ou do qual agora se afastam, depois de
a construção do futuro: educação de de estratégia nacional; terem bajulado Lula ao longo de anos.
qualidade para todos, os filhos dos c. execução de reformas necessárias na Esquecem que, no primeiro turno, o PT
pobres em escola com a mesma quali- Previdência, nas Relações Trabalhis- teve mais votos do que todos os can-
dade dos filhos dos ricos. tas e na Política Fiscal; didatos das siglas que agora se dizem
Se é lamentável estarmos entrando d. enfrentamento da corrupção, da vio- de uma esquerda não petista. E insistem
em um período de quatro anos sem lência, da criminalidade organizada e em uma “esquerda” em nada diferente
esperança nas mudanças que permi- da insegurança decorrente do crime do que o eleitor repudiou em outubro.
tiriam sintonizar os rumos do Brasil de rua não organizado; Não percebem o apego do povo ao país
com os rumos previsíveis do mundo, e. quebra da política do “toma lá dá e a seus símbolos, continuam falando
é lamentável também lembrar que as cá”, que caracteriza a presidência de para as corporações, de empresários
forças políticas derrotadas estiveram coalizão;e e de trabalhadores, cujas reivindica-
duas décadas no poder e não satis- f. redução do tamanho da dívida pública. ções asfixiam as finanças públicas. Não
fizeram o eleitor, nem conduziram o É cedo para saber se o novo governo entenderam o esgotamento gerencial
povo brasileiro à civilização deseja- vai conseguir levar isso adiante, ainda e fiscal do Estado, nem assumem com-
da; ainda pior, elas não conseguiram menos estimar o custo que as classes promisso com a responsabilidade fiscal
apresentar uma alternativa que indi- populares e os grupos sociais pagarão. e a estabilidade monetária.
casse o rumo histórico que empolgas- Mas o certo é que as forças democráti- Ainda pior, não entenderam as
se o povo e seduzisse o eleitor. Mas cas-progressistas, no poder nos últimos angústias e descontentamentos do
é possível ver que as oposições não 20 anos, não conseguiram fazer isso. povo com os problemas imediatos: vio-
estão acenando para se apresentarem Vamos ter de agradecer aos eleitores de lência generalizada, corrupção, degra-
como alternativas condutoras do pro- 2018 se, em 2022, o governo Bolsonaro dação dos costumes, filas nos hospitais,
cesso histórico brasileiro, no terceiro conseguir fazer o que se chama “arrumar persistência e ampliação da pobreza e
centenário de nossa formação como a casa” e transmitir poder ao próximo até mesmo a decadência civilizatória
Novo governo Bolsonaro traz o risco de substituir-se o populismo de esquerda pelo populismo de direita, avalia Cristovam Buarque
nação, independente se o novo gover- governo dentro da ordem democrática. que permeia a vida nacional.