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REVISTA POLÍTICA DEMOCRÁTICA LUIZ SÉRGIO HENRIQUES - PARA UMA CRÍTICA DO TEMPO PRESENTE 27
absoluto. Mas a vida do homem jamais ção da potência humana se dê por meio trabalhadores assalariados que inves-
é determinada só pelo lado biológico ou de uma religião dogmática, em nome tem em títulos emitidos pelo Tesouro e
histórico. Ainda que limitada, tem uma da qual se cometeram atrozes sacri- por pequenos proprietários que fazem
característica, que é, exatamente, a de fícios. Nem quero que a política cuide empréstimo para comprar uma casa.
ser possibilidade e de transcender-se”. disso, aquela que a partir de 1989 só se Neste sentido, maiores investimentos
Daí a necessidade de um ato revolu- ocupou de direitos individuais. Sim, por- em educação e comunicação através
cionário, uma experiência “instituinte”, que nos vinte anos do primeiro expe- da Web – sim, aquela que permitiu a
que no passado teria sido, por exemplo, rimento histórico de sociedade técnica, difusão de populismo e soberanismo –
a homossexualidade, mas hoje requer os sistemas políticos tentaram adaptar- pode ajudar a política. Mas a rede deve
uma coragem diferente. É necessário -se, desencarregando-se dos elementos ser governada”.
hoje voltar rapidamente a agir sobre identitários”. Concretamente, professor, como
a realidade, mas sem perder de vista E isso porque, segundo o professor, o recuperar a capacidade de escapar do
a possibilidade de um fracasso, de um que dominou “foi a ideia de um Eu cos- imediato, da ideologia do presente,
vazio. E isso a despeito de uma técnica mopolita capaz de movimentar-se livre- apreender a abertura das possibilidades
que, nos últimos vinte anos, segundo mente no sistema técnico globalizado e imprimir uma nova direção em face da
Magatti, não conheceu vetos, censuras, para satisfazer os próprios desejos sub- crise da sociedade da técnica e tornar a
obstáculos em nossas relações afetivas, jetivos, num regime de expansão das viver a potência humana?
reprodutivas e intergeracionais. possibilidades para todos. A demanda
“Pensemos – afirma – na potência a que se tentou satisfazer não mais se
da técnica da medicina. Mais do que referia ao compartilhamento de valores, “SÓ EXISTE UMA POSSIBILIDADE
curar uma doença, parece-me que está tradições, fins comuns, mas à criação – REPLICA MAGATTI – MANTER
cada vez mais voltada para perseguir de uma infraestrutura eficiente e neu- ABERTOS OS TRÊS ‘SÓIS’: UMA
a eficiência biológica. Ou pensemos tra capaz de sustentar a consciência RELIGIÃO QUE NÃO PEÇA
nos fenômenos do pós-humanismo e de possibilidades infinitas. A política, MAIS SACRIFÍCIOS HUMANOS;
do transumanismo, que têm em vista no entanto, deve voltar a falar de pes- UMA POLÍTICA QUE SAIBA
GERIR A COMPLEXIDADE
homens capazes de agir sozinhos, sem soas e ativar-se para criar laços, cuidar DO PRESENTE E DÊ AOS
Deus, e eternos. É a obra-prima da tec- de territórios. A política morre se viver CIDADÃOS INSTRUMENTOS
nologia: levar-nos a crer que não pre- só de direitos individuais, assim como PARA COMPREENDÊ-LA,
cisamos de ninguém mais, que somos morre uma política que ergue muros. PARA QUE ESTES NÃO
completamente livres para fazer o que O pensamento corre até Trump, quan- MAIS TENHAM MEDO
quisermos, que podemos continuamen- do diz “America First!”. Morre também DELA; E UMA TÉCNICA NÃO
te escolher e que todo nexo é perfei- privada de sentido de realidade, como ABSTRATA, MAS CONECTADA
tamente reversível, ocultando-nos ao a de Luigi Di Maio [líder do Movimento À VIDA E QUE ACEITE A
mesmo tempo nossa dependência da 5 Estrelas e atual vice-primeiro-ministro APOSTA DO VAZIO, PORQUE
organização sistêmica. E talvez até nos- da Itália], quando afirma: “quero abolir DESEJO E IMPOSSIBILIDADE
sa subjugação a ela. Mas nossa anar- a pobreza, mas não me interesso pelos PERMANECEM ENTRELAÇADOS.
quia é só aparente. Entregando-nos aos mercados”, ou aquela de quem quer É PRECISO QUE TODAS AS TRÊS
SE EQUILIBREM ENTRE SI. UM
sistemas técnicos, nossa vida cotidiana o bem-estar de todos e arvora sobera- PRIMEIRO ATO CONCRETO:
alcança níveis de organização jamais nismos ou esmurra mesas em Bruxelas. PENSAR NOS JOVENS,
vistos na história, tornando-se capaz de Considero estúpidas, ou seja, inúteis, INVESTIR NELES. DE RESTO,
criar primeiro e satisfazer em seguida batalhas desse tipo. Pura ideologia. SÃO ELES QUE REPRESENTAM
boa parte das demandas individuais. Decerto, é correto reagir à prepotência A ESPERANÇA, ISTO É,
Certamente, a liberdade de escolha se da cultura financeira, ao poder abusi- NOSSA CAPACIDADE DE NOS
ampliou. Mas também aumentam as vo de algumas multinacionais que se SUPERARMOS”.
atividades codificadas segundo proce- beneficiam muitas vezes de incentivos,
dimentos que devem ser rigidamente mas não se pode dizer que não damos
respeitados. Num mundo que corre a mínima para os mercados, porque MAURO MAGATTI
velozmente e muda muito depressa, há os mercados são feitos de cidadãos,
certa dificuldade para conseguir desen-
volver aquele mundo pessoal e espe-
cífico no qual a vida humana pode ter SAIBA MAIS SOBRE O TRADUTOR:
lugar. Com isso não vaticino uma volta LUIZ SÉRGIO HENRIQUES
ao passado. Não desejo que a recupera-